terça-feira, 29 de junho de 2010

Les Liaisons Dangereuses

De Danilo Alves aos seus leitores

Ficareis sem dúvida satisfeitos, senhores, de conhecer minhas impressões acerca de tão inspirada película. Creio que inspiração é palavra de ordem aqui, já que o filme de Stephen Frears (Ligações Perigosas, 1988) foi inspirado na peça Ligações Perigosas, de Christopher Hampton, ambos baseados em As Relações Perigosas, de Choderlos de Laclos. Devo dizer que o filme foi indicado aos Oscars de melhor atriz para uma magnífica Glenn Close e de atriz coadjuvante para uma tocante Michelle Pfeiffer, apesar de sua personagem não ser coadjuvante; concorreu, também, a trilha sonora e venceu roteiro adaptado, direção de arte de figurino. Stephen Frears e John Malkovich não foram indicados, o que fez a premiação perder parte de seu brilho, como jóia puída a quem uma jovem negligente esqueceu-se de dar polimento. Cumpre-me deixar-vos a par de história tão fascinante. 















Dois nobres entediados com suas vidas monótonas, na França do século XVIII, cansados de seu indolente cotidiano, tem por diversão um jogo cruel e perverso: brincar com os sentimentos inocentes, manipular as ingênuas emoções. A Marquesa de Merteuil pede ao amigo, o Visconde de Valmont, que seduza a filha de uma de suas amigas, Madame de Volanges. Essa filha é Cecile de Volanges, prometida do antigo amante da Marquesa. O prêmio de Valmont é algo que só a Marquesa pode lhe ofertar. Que tarefa tão simplória para um prêmio tão elevado; para isso, Valmont não atinou. Mas eis que Valmont tem intenções nefandas com a respeitável Presidenta Madame de Tourvel, senhora casada, que para suprir a falta do esposo viajante, visita a casa de campo de sua amiga, Madame de Volanges. Esta escreve àquela que se abstenha do contato com Valmont, um homem com falhas graves no caráter. Sabendo disso, Valmont tem mais empenho ainda no seu intento desonesto. Vês, que lhes conto quase tudo. Penso que tereis de conferir o livro ou o filme para se inteirarem do desenrolar dessas execrandas aventuras. Merteuil domina todo o filme com seu cinismo tão grande quanto sua inteligência. Ela mesma diz ao Visconde que veio para dominar o seu sexo e vingar o dela. A cena final do filme é famosíssima e brilhante, fazendo um eco com a cena inicial, ambas utilizando o espelho como objeto revelador da interioridade.



Adaptações para o teatro

Existem outras versões para o cinema, As Relações Perigosas, dirigido por Roger Vadim, em 1959, com Jeanne Moreau; Milos Forman dirigiu Valmont em 1989, com Annette Bening e Colin Firth; em 1999 Roger Kumble fez sua moderna e ousada versão jovem, Segundas Intenções; há ainda Scandal, dirigido por Lee Jê Yong, com a ação transferida apara a Coréia do século XVIII; mas nenhuma dessas versões consegue atingir o esplendor, a beleza, as finura e sutileza de significado que fazem do filme de Stephen Frears uma obra-prima da sétima arte. A câmera de Frears é de uma argúcia sem par; logo no início, Marquesa e Visconde tem sua toalete dividida conosco, observadores, e terminam mirando-se em espelhos que em nossa posição privilegiada, vemos que são eles mesmos, reflexos um do outro. A arma escolhida é o sexo, num jogo onde a arma usada para matar é a mesma que faz intumescer. Jogadores terríveis, é praticamente impossível vencê-los, pois, para isso, seria necessário um caráter correspondente ao deles e isso é raro, até mesmo num ambiente corrompido como era aquele de uma aristocracia à beira da decadência, tendo nos calcanhares a Revolução Francesa. Quem os venceria senão eles mesmos!? O estilo da época era o Rococó, estilo que louvava a beleza exageradamente ornada de tudo menos profundidade. O estilo revela o caráter dos dois jogadores, porcelanas destinadas a quebrar ao primeiro choque.

Choderlos de Laclos



Ilustrações do livro


Uma peça decorada ao rococó


Nú no Sofá, de Boucher

A bela pintura de Reynolds
Reynolds

Mr. and Mrs. Andrews, de Gainsborough

O Balanço, de Fragonard, pintura símbolo do Rococó

Dizei-me, se o sabeis, se há adaptação mais requintada, melhor inspirada do que essa, que transpôs à página gigante que é a tela, toda beleza presunçosa, todos os prazeres pretensiosos, toda uma alegria presumida, enfim, a vida fátua de uma aristocracia cuja nobreza traz um brilho embaciado, contidos nas pequenas páginas do livro. A leitura do livro faz acorrer para a tela e assistir ao filme faz acudir às pressas ao livro. Um e outro nos deleitam com sua peculiaridade. No filme, vemos a primorosa reconstituição de época, figurinos deslumbrantes, cenários e decorações ricos daquele estilo galante e donairoso que foi o Rococó. Tudo embalado por bela música. O livro nos prende com o encanto de uma prosa tão graciosa quanto cortante, como uma espada ornada de rica pedraria e cujo gume nunca embotará. Eis uns pequenos excetos:

Da Presidenta de Tourvel ao Visconde de Valmont

“...esse sentimento é penoso quando quem o inspira não o compartilha”

“Isso a que chamais felicidade não passa de um tumulto dos sentidos, uma tempestade de paixões, cujo espetáculo atemoriza, mesmo quando contemplado da praia. Ah! Como enfrentar essas tempestades? Como ousar embarcar num oceano coberto de destroços de mil naufrágios? E com quem? Não, senhor, eu fico em terra: adoro os laços que a ela me prendem. Não desejaria rompê-los, ainda que o pudesse, e, se não os tivesse, apressar-me-ia em criá-los”.

Da Presidenta de Tourvel à Sra. De Rosemonde:

“Os sofrimentos do corpo, como os do espírito, fazem-nos desejar a solidão, e muitas vezes censuramos o mau humor daqueles de quem deveríamos tão-somente lastimar os males”

Da Sra. De Rosemonde à Presidenta de Tourvel:

"Oh minha jovem amiga, digo-vos, com tristeza, que sois por demais digna de ser amada para que algum dia o amor vos faça feliz*... O homem goza a felicidade que sente, e a mulher, a que dá”.

*Aqueles que são mais dignos de amor, nunca são feitos feliz por ele.

Com efeito, estou resolvido a admitir sempre que este é um dos filmes da minha vida.

                                                                 Recife, neste 29 de junho de 20**. 

“Onde estaríamos sem nossas infâncias sofridas!?”





O filme, Correndo com Tesouras (Running with Scissors, 2006), é uma da adaptação do livro autobiográfico de Augusten Burroughs. Nos anos 70, o jovem de 13 ou 14 anos vive em uma família de classe média composta por um pai alcoólatra e uma mãe com transtorno bipolar. A mãe, Deirdre, é uma poetisa que sonha com a fama e com a publicação de suas poesias. Desde criança, a mãe nunca deu uma criação convencional a Augusten, não fazendo questão, por exemplo, que ele fosse à escola. Com o agravamento contínuo das brigas, o casal vai a um especialista, que não sabemos quem indicou à mãe. Entra em cena o médico de almas, tão grave quanto hilário. Lembram da doutora Perci, do Toma Lá, Dá Cá? Bem, Miguel Falabella deve ter visto esse filme para criar a personagem, pois os métodos dos dois especialistas são iguais: a terapia do confronto. Ele arruína a psique dos que estão aos seus cuidados. O psicólogo diz tudo à queima roupa. Quando a mãe diz “Eu fracassei como esposa e como mãe”, ele diz rápido e taxativo “Sim, fracassou”; ela faz uma cara de surpresa, pois nunca esperaria essa resposta de um profissional que está ali para lhe confortar; o resultado é hilário. Em outra cena, quando o filho pergunta “O que há por trás daquela porta?”, o médico responde “É uma sala adjacente, onde me masturbo”, e ele está falando a verdade. A casa do médico é tão terrível quanto aos moradores do que quanto à bagunça, enfim, um ambiente sujo e caótico. Uma galeria de personagens malucos é apresentada e todo tipo de absurdo acontece. A mãe está totalmente submetida às vontades do médico e Augusten é obrigado a morar nessa casa por um tempo, e é aí que começa a escrever diariamente sobre seu padecimento nesse manicômio. A filha mais velha do médico, Hope, é a preferida do pai e ele diz isso abertamente, para desconforto da mais nova. Todos estão, por causa do médico, impregnados de psicologia, e a linguagem que usam é técnica; em um jantar, por exemplo, as irmãs brigam verbalmente o os termos usados são “fuga”, “transferência”, “Você nunca chegará à anal, estará sempre na oral” (referência às fases oral, anal e fálica ou genital ou, ainda, da libido de Freud); todos no filme provocam raiva no próximo, mas quando há uma reação, dizem “não transfira sua raiva para mim” (vou começar a agir assim, rsrsrs.). A gata da família chama-se Freud; ela diz que sonhou que vai morrer, e isso é só o começo. Para o médico, que prescreve remédios como que para suas cobaias, uma pessoa fica adulta aos treze anos e isso dá a essa pessoa total autonomia sobre sua vida; imaginem o que acontece! Também há espaço para descobertas sexuais, a mãe é bi, Augusten é gay (ele encontra um companheiro no filho mais velho do médico; curiosidade: eles vão a um festival de filmes da pouco conhecida diretora Lina Wertmuller). Lá pela metade do filme, acontece algo que temíamos, começamos a perceber que debaixo de todo absurdo, os dramas dos personagens são verdadeiros, duros e profundos, e não achamos mais tanta graça das situações, isso seria rir da miséria alheia. A personagem com mais cara e comportamento de louca, Agnes, esposa do médico, revela-se talvez a pessoa mais sã de todos, absorta em si mesma; talvez ela tenha percebido que “quando não encontramos o que procuramos por tanto tempo, talvez seja porque esteja em outro lugar”. Ela percebe que Augusten ainda tem salvação e investe nele no sentido de tirá-lo desse hospício; ela acha nele um afago à sua sede de família normal e isso é recíproco da parte dele. Ele sente falta de regas e limites, e acaba tendo que decidir-se por uma fuga rumo à vida. Agnes é feita pela atriz Jill Clayburgh, numa interpretação comovente. Filme e personagens tem um clima que lembra Os Excêntricos Tenenbaums, só que mais louco ainda. Enfim, um forte drama disfarçado de comédia; ou então sem disfarce nenhum, já que parece ser comédia pelo absurdo das situações, mas são absurdos reais; então a vida tem mesmo seu teor de comédia, e comédia de humor-negro. Além da Jill Clayburgh, o ótimo elenco conta com Annette Bening, Brian Cox, Joseph Fiennes, Evan Rachel Wood, Alec Baldwin, Joseph Cross e Gwyneth Paltrow. A trilha sonora cabe no filme com uma luva, terminando com a belíssima Stardust, cantada por Nat King Cole. 

I Love You Phillip Morris


Steven Russell é um desses sujeitos carismáticos, inteligentes e com uma lábia admirável. Mas não é perfeito não, ele não resiste ao ganho fácil, a ser desonesto, e nisso é tão confiante em si mesmo, que acaba sempre exagerando na dose e metendo os pés pelas mãos. Vemos sua trajetória de policial, esposo e pai à gay, golpista e detento. Na prisão, ele conhece o Phillip do título (I Love You Phillip Morris, 2009), e tem um tipo de lua de mel. Consegue safar a si e ao namorado, vira advogado de sucesso, mas não se emenda. É um filme mediano que só chamou mais atenção pelo fato dos protagonistas serem gays, fato que o filme em si não usa como chamariz, pelo contrário, mal nos lembramos desse detalhe e isso é um ponto positivo, pois torna esse um filme sobre pessoas e não um filme “gay”, como se os gays tivessem que ter tudo separado, até um gênero cinematográfico. Nesse ponto, o filme se sai muito bem, ao mostrar o Steven Russell tão normal que o fato de ser gay (apesar de estar óbvio no filme) com o tempo é esquecido. Ele é mais um malandro, o cara “desenrolado”, como há tantos. Quando ele mente para seu amor, Phillip Morris, vemos apenas o sujeito safado que mente mais por hábito que por maldade, como vemos tantos héteros fazer igual; daí vem os problemas na relação etc. Ele aprende que mentir para quem ama não leva a um final feliz. O final melodramático faz do próprio espectador mais uma vítima das mentiras do Steven Russell e isso me surpreendeu. Ewan McGregor faz bem o papel do mocinho apaixonado e melindroso; Rodrigo Santoro dessa vez fala um pouquinho; e Jim Carrey é um excelente ator que se entrega por completo aos seus personagens, mas apesar de fazer o Steven com gosto, não sinto que ator e personagem se encaixem, ele faz o personagem com tanta vontade que acaba ficando muito “over”; faltou uma mão boa do diretor nesse ponto.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Cuidado com a lua!




Criatura do filme A Hora do Espanto


Sou fã desde criança de filmes de lobisomem e, a criatura, de todas, é a que mais me mete medo até hoje. Ver filmes de lobisomem para mim foi sempre, portanto, um prazer um tanto masoquista. Vejo e sofro e fico aterrorizado depois; vindo para casa tarde da noite em uma rua escura, me vêem à cabeça todos os filmes de lobisomem que já vi. Tomara que isso seja normal. Esse Um Lobisomem Americano em Londres (An American Werewolf in London, 1981) do John Landis é o maior representante do gênero, um clássico admirado por público e crítica, que nunca foi superado; a cena do sonho no hospital, me deu um dos maiores sustos da minha vida. A dosagem de humor negro e terror é perfeita e os efeitos especiais não-digitais são magníficos. Os efeitos surpreendem não só na famosíssima transformação (que não considero a melhor isolada, ela empata com a fantástica e dramática transformação do filme A Hora do Espanto (Fright Night, 1985), um filme sobre vampiros, mas onde um deles pode se transformar de vampiro para lobo e o efeito é impressionante), mas também nas cenas do amigo morto de David, que vai literalmente se decompondo a cada aparição. Não é a toa que o filme ganhou o Oscar de melhor maquiagem no ano em que essa categoria foi criada. Tudo no filme é característico e inspiradamente bem dirigido; desde a ambientação, um lugar estranho e misterioso, o pub (que lembra uma antiga taberna) Cordeiro Estraçalhado e seus sinistros e desconfiados freqüentadores; por fim, o famoso aviso “Cuidado com a lua”, tudo dando ao filme um tom verdadeiramente sobrenatural e evocativo das antigas lendas medievais sobre a criatura (a origem do mito é grega). Obs.: John Landis também dirigiu outra obra com um lobisomem, o vídeo Thriller, do Michael Jackson, o vídeo mais premiado da história. 

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Amo muito tudo isso?


É um inusitado e bom documentário, que seria ótimo se não fosse tão parcial. Tem momentos de bom humor e informações interessantes sobre os alimentos vendidos no McDonald’s; não precisava do documentário para saber que as fritas do Mac não são normais, rsrsrs. O diretor teve o mérito de mesclar vários estudos no filme em vez de apenas culpar a rede de lanchonetes e fez seu filme-denúncia de forma muito corajosa, não temendo represálias. Analisando o discurso do filme, percebe-se que seu texto/discurso é forte e cheio de sugestões, abusa da semiótica para mostrar o Mac como um grande vilão; esse é o ponto fraco do documentário, uma vez que todos já sabem os males não só da empresa criticada, mas de todo o sistema capitalista (não sou partidário do Socialismo etc.). A sugestão/indução do diretor, freqüentemente vira exagero e é a mesma indução que ele critica na moça do caixa, quando ela sempre oferece o tamanho maior; também não temos provas de certas situações, como a de ele achar um cabelo na comida. Mas como já disse, o diretor teve o mérito de fazer um trabalho muito detalhado e informativo e dirigiu sua obra de forma inventiva e dinâmica, o que impediu o filme de se tornar chato em sua duração (houve momentos em que correu mesmo esse risco). Ainda analisando o discurso, o titulo original do filme é ótimo (Super Size Me – A film of Epic Portions, 2004), mas o título em português (Super Size Me - A Dieta do Palhaço) é ainda melhor, um achado, muito poderoso em persuasão; a dieta é a do palhaço Ronald (um palhaço no sentido sombrio e maligno) e do palhaço consumidor (um palhaço no seu sentido mais ridículo e ingênuo) Obs.: a midiática denúncia do diretor nasceu quando ele soube de uma ação movida por duas jovens contra o McDonald’s; claro que o tribunal julgou improcedente a ação por falta de provas de que a comida do Mac era a causadora única ou direta dos males das jovens, coisa que aconteceu diferente no caso da ação contra a indústria do cigarro, onde provas não faltaram. 

Nação Fast Food


Nação Fast Food: Uma Rede de Corrupção (Fast Food Nation, 2006) é um filme contundente, ainda que não seja brilhante. Toca em assuntos tenebrosos, como os imigrantes ilegais nos EUA e sua condição de vida e de trabalho lá, além da questão dos coiotes; leis injustas; ambientalismo; frigoríficos fora dos padrões e carne contaminada. Talvez fosse assunto demais para o diretor tratar ao mesmo tempo e ele não deu conta. Mas a intenção foi válida e o recado dado. Para os mais sensíveis há uma tristíssima cena do abate de uma vaca, que talvez seja bom não ver; a direção tratou de deixar a cena o mais triste possível e conseguiu. Se bem que isso não chega a ser uma novidade, já que há documentários que mostram toda a terrível realidade não só dos frigoríficos e seus métodos antiquados, mas maus tratos a animais em geral. 

Sin City


Umas das mais perfeitas adaptações dos quadrinhos (junto com 300), Sin City - Cidade do Pecado (Sin City,2005) é um deslumbrante espetáculo visual. Cada cena e cada fala são cópias praticamente exatas do HQ de Frank Miller, que dirige o filme junto com Robert Rodrigues (Quentin Tarantino dirigiu apenas uma cena). O filme é todo em um estupendo preto-e-branco, só havendo a presença da cor em momentos muito relevantes, para realçar emoções. Com grande duração e formidável elenco, o filme cobre três volumes da série, mesclando suas histórias. O excelente Mickey Rourke faz meu personagem preferido no filme, o grandalhão Marv; os esparadrapos em seu corpo dão um efeito sensacional. Outro destaque é a cafetina Gail, feita pela Rosario Dawson. Como o próprio título já informa, Sin City é mesmo uma cidade do pecado, uma cidade toda submundo, onde o clima noir, com seu magnífico jogo de luzes e sombras, esconde e revela todo tipo de marginal com ou sem uma causa.