sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Verônicas

                    





A polonesa Weronika e a francesa Véronique nasceram no mesmo ano e são a mesma pessoa com poucas diferenças, talvez nenhuma, de acordo com o ponto de vista de cada um, já que essa é uma obra bastante subjetiva, como um quadro na parede, pedindo o parecer particular de quem o observa. Um elo as liga, a música. Um sentimento as intriga, a intuição de algo que falta, de algo que se escapa, deixando ambas sozinhas no mundo; esse algo é justamente a existência de outro (entra aqui o conceito do “duplo”, idéia que não sigo, preferindo acreditar na alma una das Verônicas) alguém não apenas igual a si mesmo, mas outro alguém que é exatamente a própria pessoa (em um lance rápido, no começo do filme, uma das Verônicas vê a outra e tem apenas uma sensação estranha; isso é muito compreensivo e dá o que pensar: se víssemos a nós mesmos em um ponto de ônibus ou dentro de um metrô, será que nos reconheceríamos de imediato? Por mais que conheçamos nossa imagem do espelho, acredito que levaria algum tempo para a ficha cair, tão surreal seria a situação). Parece confuso e não deixa de ser para as Verônicas, mas, para o espectador, tudo é tão simples, tão fluído, tão comum, tal o modo que o grande diretor Krzysztof Kieslowski guia a história do filme A Dupla Vida de Véronique (La Doublé Vie de Véronique, França/Polônia/Noruega, 1991), onde a poesia e a delicadeza tomam lugar numa narrativa que poderia ser toda angústia, toda mistério. Nada é dito, mas temos certeza de que gêmeas não são. E não temos necessidade que o fenômeno se explique; a única coisa que queremos é que Verônica não sofra, pois não existe ser mais doce e meigo, mais lindo e poético que ela; belíssimo trabalho de Irene Jacob, premiada em Cannes pela atuação. O final do filme tem um tom mais didático, mas mesmo esse didatismo é mostrado através da fantasia, com a entrada em cena do escritor de livros infantis, que inventa para suas belas marionetes a história de duas mulheres que estranhamente são uma só.
A música, tirada de Dante, é um elemento importantíssimo no filme, ligando as duas Verônicas e nos dizendo muito sobre elas. Uma música que está onipresente, cantada, tocada na flauta ou apenas silentemente sentida. Com sua costumeira fotografia, Krzysztof Kieslowski nos conta lindamente a história dessa cigarra, criatura venturosa de ignorar a própria desventura. Belo filme.

sábado, 6 de agosto de 2011

O Segredo de Mary Reilly






Adaptação do clássico, O Médico e o Monstro, mas focado na figura da empregada da casa, que sabia todo o segredo do Dr. Jekyll. Daí o título do filme? Não! O Segredo de Mary Reilly (Mary Reilly, EUA, 1996) é anterior a isso tudo. Um segredo doloroso que ela esconde muito, apesar de seu próprio corpo revelar pequenas coisas. Esse segredo e sua descoberta deixam a moça na estima do Dr. Jekyll, que agora a tem como uma espécie de cúmplice de suas loucuras, dele e de Mr. Hyde, ou seja, ele mesmo. O filme tem uma atmosfera pra lá de sombria e sórdida e vemos muitos detalhes do que ocorre no laboratório do Dr. Jekyll; até a transformação é mostrada de forma abominável em detalhes. O médico e também o monstro são feitos com maestria pelo ótimo John Malkovich; Glenn Close está muito bem como uma sinistra prostituta; esses dois atores já fizeram juntos o magnífico Ligações Perigosas, dirigido pelo mesmo Stephen Frears. Stephen Frears é um diretor que trabalha muitíssimo bem com filmes de época e com histórias que mostram o lado mais feio dos seres humanos, vide Ligações Perigosas e Os Imorais, e nesse filme o lado feio é mostrado também externamente, na figura de Mr. Hyde. Quanto a Julia Roberts, considero esta sua melhor atuação até agora; sua Mary Reilly é perfeitamente humilde, hermética e sofrida. Ótimo filme.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

“Esperanças arruinadas e boas intenções...”


George e Martha, vinte anos de casamento. Ele, professor do departamento de História; ela, a filha do reitor. O relacionamento dos dois é tumultuado e a rotina é de mútua humilhação. Ela, irascível. Ele, sarcástico. Ambos, acídulos nas palavras. Por pedido do pai de Martha, recebem, tarde da noite, a visita de um jovem casal, Nick e Honey. Nick é o ambicioso professor do departamento de Biologia, da mesma instituição de George, e Honey é uma moça rica. De começo, o jovem casal fica espantado e constrangido com as atitudes de George e Martha, com seus jogos cruéis, mas acabam ficando noite adentro e até tomam parte nos jogos. Com o passar do tempo, descobrimos que o jovem casal tem grande potencial de ser uma futura cópia de George e Martha. Os quatro passaram por situações limite e muita tensão. Há um momento em que George pega uma arma e atira na cabeça de Martha, mas a arma é falsa e todos riem nervosamente. A cena é incrível. Eles bebem o tempo todo e o álcool vai funcionando como um elixir da verdade. Martha tem sempre a vantagem na batalha contra George, através do jovem e belo professor, que ela seduz. Depois do episódio do falso tiro, Martha chega a dizer a Nick “Nada de armas falsas com você, heim!” Há sempre muita malícia nas palavras de Martha. Honey, bêbada, pontuado a ação (Violência! Violência!). George observando-se na gradação “Bom, ótimo, o melhor, derrotado”. Quando os brios de George não agüentam mais, ele parte para o ataque, primeiro contra o jovem casal “É preciso ter um porco para achar as trufas”, que se arrepende amargamente de ter entrado no jogo. Depois ataca Martha (que infligiu uma regra) em seu ponto mais frágil, seu filho.

O grande diretor, Mike Nichols, já em sua estréia, fez um dos maiores filmes do cinema. Um filme poderoso, onde o clima é de desabafo, ressentimentos (“por que não me beija George”); malícia (Em um momento Nick falha com Martha na cama; em outro, quando George manda Nick se foder, Martha observa: Ele não pode; está bêbado demais); embate filosófico entre a história e a biologia; embate emocional entre amor e ódio (Martha é a primeira a defender George quando ele é ameaçado fisicamente).

Personagens destrutivos e autodestrutivos, mentiras reveladoras, verdades mascaradas, fatos obscuros (“bergin”, “livro”, “filho”, “Virgínia Woolf”); até as “Flores para los muertos” aparece, como em Um Bonde Chamado Desejo. São elementos integrantes e intrigantes de um texto dos mais brilhantes já vistos em um filme.

O elenco está perfeito; Sandy Dennis como a hilária e patética Honey (Oscar de atriz coadjuvante); um jovem George Segal como o belo e ambicioso professor; Richard Burton (marido de Liz Taylor na vida real), bom como nunca, dando a George cínicas risadinhas; e Liz Taylor absoluta, num despojamento digno do Oscar que recebeu.

Quem Tem Medo de Virgínia Woolf? (Who's Afraid of Virginia Woolf?, EUA, 1966) foi baseado na peça do grande dramaturgo, Edward Albee, cujas peças tem, sobretudo, um forte cunho psicológico, mostrando o conflito homem versus sociedade; Albee, um dos pilares do teatro do absurdo, é conhecido como o dramaturgo da incomunicabilidade. Um autor maravilhoso, cuja obra, infelizmente, não é editada em português; suas peças chegam até nós através de companhias de teatro, que compram o direito de exibição das peças e fazem, elas mesmos, suas traduções; as mais conhecidas são “Três Mulheres Altas”, “A História do Zoológico”, “A Morte de Bessie Smith”, “Quem Tem Medo de Virgínia Woolf” e “A Peça Sobre o Bebê”. A peça em que se baseou o filme tem, na íntegra, três horas e meia de duração e foi, desde sua estréia, um marco da moderna dramaturgia mundial. As homéricas batalhas verbais entre George e Martha são o ponto alto, tanto da peça quanto do filme. O título da peça tem intrigado as pessoas por muitos anos. Aqui vai uma explicação: o próprio Albee contou uma vez, que viu escrita, em um espelho de bar, a frase “Who’s afraid of Virginia Woolf?” (Wolf com apenas um “o” quer dizer lobo). O curioso trocadilho com a famosa canção do desenho Os Três Porquinhos “who’s afraid of the big bad wolf?”, levou Albee a fazer analogias entre a fragilidade das casas que os porquinhos construíram e o clima emocional da peça/personagens. Ele teve a idéia de nomear a peça como “Quem Tem Medo do Lobo Mau?”, mas desistiu por causa dos caros direitos autorais da Disney. Deixou, então, o título como conhecemos, que, aliás, é bem mais genial, já que Virgínia Woolf era bipolar e vivia em conflito com o marido e consigo mesma, até se matar.

No final do filme, George volta a cantar o trecho “Quem tem medo de Virgínia Woolf?” e Martha responde “Eu tenho, George. Eu tenho”. Genial! Os porquinhos também tinham medo de abrir as portas. Termino, deixando para reflexão, as palavras de George: “Quando se rasga a pele e os músculos, se destrói os órgãos e chega aos ossos; o que fazer com o tutano?”.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Fiz este mosaico de estrelas em homenagem a essa arte que tanto amamos. Posto aqui para que possam vê-lo grande. Basta clicar nela.


domingo, 29 de maio de 2011

Boogie Nights





Boogie Nights – Prazer Sem Limites (Boogie Nights, EUA, 1997) é um retrato contundente do mundo pornográfico das décadas de 70/80. Um elenco incrível dá vida a uma rica galeria de personagens, da qual mesmo os não protagonistas não são tratados como meros coadjuvantes. As histórias desses personagens se cruzam em algum momento, o que nos faz lembrar as construções narrativas da obra de Robert Altman. A maravilhosa estética do filme é bem cuidada e a trilha sonora escolhida a dedo, o que nos faz lembrar Quentin Tarantino. Isso não quer dizer que Paul Thomas Anderson não seja um diretor com idéias e características próprias. Pelo contrário, ele se renova e nos surpreende a cada novo filme e tenho certeza de que ele ainda nos brindará com filmes incríveis futuramente. O forte do filme é o elenco bem dirigido: William H. Macy, Heather Graham, Don Cheadle, Mark Whalberg e Julianne Moore. O filme ainda foi responsável pela volta de Burt Reynolds, em seu melhor papel no cinema. Quem conhece a pornografia dos anos 70/80 através de vídeo cassete, reconhece no filme o inegável clima desse mundo, ou melhor, submundo, e sente uma obscena nostalgia e quem não conhecer o filme poderá jurar que ele foi feito nos anos 70. Os cortes de cena, ou o contrário, as longas tomadas, são um show à parte; numa seqüência fabulosa, a câmara passeia entre os convidados de um churrasco e mergulha na piscina, seguindo outros; esse é, realmente, o filme dos planos-sequência geniais; visualmente o resultado é magnífico; emocionalmente é arrebatador. Grande filme. Foi indicado aos Oscars de melhor ator coadjuvante, atriz coadjuvante (sendo que tanto ator como atriz são principais) e roteiro original (do próprio diretor); indicado ao Globo de Ouro de atriz coadjuvante, ganhou o de ator coadjuvante. 

sábado, 28 de maio de 2011

“Eu te homo...”





Scott Pilgrim Contra o Mundo (Scott Pilgrim vs. the World, EUA/Canadá, 2010) é uma grande e ótima surpresa, um filme muito agradável e divertido. O jovem e talentoso diretor, o traquinas Edgar Wright, não tem mesmo medo de ousar fazendo um filme baseado em um HQ, mas com visual de videogame. O resultado é muito bonito, muito artístico. As referências aos games são muitas, desde Mario até Street Fighter, enquanto os balões informativos e as onomatopéias aludem aos quadrinhos. Tudo isso é usado com muito tato, humor e competência por diretor e equipe, formando um todo coeso e gratificante de se ver, uma festa para os olhos. É mais que isso, os recursos gráficos muitas vezes definem os personagens e as cores significam emoções; nada está ali somente para ser divertido e bonitinho. A edição virtuosa é um show e devia ter sido indicada ao Oscar, mas como reflexo de sua bilheteria nos EUA, o filme foi ignorado, o que espanta num filme bem americano e com as qualidades que eles gostam; fico pensando que uma razão para os americanos não terem gostado do filme foi por não terem entendido nada, pois o enredo, apesar de simples, desenvolve-se de forma complexa, sendo o modo como o tempo é utilizado, um exemplo. A história é deliciosamente absurda ao extremo, pois o absurdo para ser delicioso, como em Bob Esponja e A Vaca e o Frango, tem de ser extremo.

 Scott Pilgrim (interpretado com êxito por Michel Cera, pois esse, mesmo se repetindo algumas vezes, tem carisma suficiente para sempre gostarmos dele na tela) é um jovem canadense comum (já que os personagens não tem noção ou não fazem caso de lutarem como heróis de videogames) que acabou de levar um pé na bunda da namorada, ficou com uma adolescente e desistiu desta por uma paixão fulminante, ou seja, um jovem bemmmm normal. Na verdade, tudo que Scott sofre é bem merecido, pois ele não hesita em deixar sua namoradinha quando Ramona aparece; Scott e Ramona são terríveis com os seus pares românticos, mas o são sem maldade, são apenas exemplares típicos dos jovens de hoje, cuja paixão é mais sensual que romântica. Mal começa a se envolver com Ramona e descobre que tem pela frente a tarefa de enfrentar os sete ex-namorados do mal, que não se conformam de terem levado cada um seu próprio pé na bunda. As lutas contra os ex-namorados significam amadurecimento e superação; são fases (como nos games) que Scott tem de não apenas superar, mas vencer mesmo, ou não evoluirá. Ramona também passa por fases, mostradas na mudança da cor de seus rebeldes cabelos; olhando direitinho todos passam por alguma mudança, como uma das exs de Scott que consegue finalmente lhe perdoar, o amigo gay que se impõe e põe Scott para fora de casa, etc. Outro fator tratado com realidade é a falta de beleza física de Scott (pelo menos a beleza estereotipada); ele não tem certos atrativos físicos, mas se mostra incrivelmente atraente por dentro, e isso faz as garotas se apaixonarem por ele, coisa que acontece muito com os jovens de hoje, que a apesar de se rasgarem por seus belos ídolos, na vida real dão mais valor ao conteúdo do seu par romântico (falo dos jovens modernos e inteligentes, pois a parcela ignóbil ainda existe). Os efeitos especiais, os gráficos, dão ao filme uma surpreendente veracidade, pois espelham fielmente os jovens de hoje e seu mundo fantástico, jovens que não tem mais vergonha de serem nerds ou o que quiserem ser; eles são a bola da vez.

O jovem elenco é ótimo, todos combinando com seu personagem, como Anna Kendrick fazendo a irmã de Scott, Jason Scwartman como o vilão mor Gideon Graves, Aubrey Plaza como a boca suja Julie Powers, Alison Pill excelente como a invocada Kim Pine, Mary Elizabeth Winstead como a fulgaz Ramona Flowers, Johnny Simmons como Young Neil e Mark Webber como Stephen Stills se saem bem também; dois galãs do cinema atual fazem pontas divertidas, Chris Evans como o galã Lucas Lee e Brandon Routh como o vegano Todd Ingram; destaque especial para Ellen Wong como Knives Chau, a ficante quase namorada abandonada de Scott, e Kieran Culkin (irmão de Macaulay, na aparência e no talento) como o melhor amigo de Scott, cujo fato de ser super gay não é levado em conta pelos outros personagens (Scott até dorme no mesmo leito que ele), outra característica dos jovens de hoje, cada vez menos preconceituosos (falo dos saudáveis psiquicamente).

Sobre o diretor, todos concordam que é talentoso e inventivo, como mostrou em “Todo Mundo Quase Morto” e “Chumbo Grosso” (filmes batizados de trilogia sangue e sorvete; o terceiro ainda está por vir) e parte desse talento tem influência do amigo Quentin Taratino, com quem já contribuiu com o divertido trailer fake “Don’t” para o projeto Grindhouse. Interessante como ninguém ainda falou sobre as referências a Kill Bill, que para mim são bem claras: o didatismo das informações em balões, aqui usadas como elemento cômico; a lista de vilões destinados à morte; e as brigas entre mulheres, sendo a luta entre Ramona Flowers e sua ex Roxy Richter uma nítida homenagem à luta entre Beatrix Kiddo contra Gogo Yubari. Scott Pilgrim Contra o Mundo é um refrigério.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Magnólia



Embora a crítica considere Boogie Nights o melhor trabalho do diretor Paul Thomas Anderson, eu prefiro Magnólia (Magnolia, EUA, 1999), um dos meus filmes preferidos. Por causa de sua longa duração, 189 minutos, o próprio diretor, em entrevistas, disse se tratar de um épico. E não deixa de ser curioso o caráter épico dos filmes de PTA; vide Boogie Nights (épico sobre o mundo pornô das décadas de 70/80, mostrando seu apogeu e decadência); e Sangue Negro, (épico nos moldes tradicionais). Magnólia mostra-se então um “épico” inusitado: seus temas são traumas familiares e traições conjugais. O elenco é dos melhores; Philip Baker Hall é magnífico e até Tom Cruise prova de uma vez por todas que pode unir beleza e talento. PTA volta a trabalhar com Julianne Moore e Philip Seymour Hoffman, sempre ótimos. Assim como em Boogie Nights, há uma rica galeria de personagens, só que aqui, essa galeria é enorme, lembra muito Short Cuts, do Robert Altman. São, pelo menos, uns vinte personagens em nove histórias (a magnólia tem muitas pétalas em várias camadas), cada um com seu drama arrasador; isso tudo cobrindo um período de apenas 24 horas. Uma das cenas finais é uma linda surpresa, que já despertou a curiosidade de muitos. A trilha sonora é linda e tocante, com canções melancólicas da Amiee Mann. Foi indicado aos Oscars de melhor ator coadjuvante, roteiro original (do próprio PTA) e canção; Globo de Ouro de ator coadjuvante e indicação de melhor canção; Urso de Ouro em Berlim. É um filme difícil, exigindo mais de uma assistida para uma total compreensão. Mas, já na primeira, temos a perfeita noção de que é uma obra maravilhosa.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

The Royal Tenembaums



Os Excêntricos Tenenbaums (EUA, 2001), cujo título original The Royal Tenembaums nos diz muito mais sobre esta família, é um filme diferente e muito criativo. É como um livro e, como tal, dividido em capítulos. Facilmente passa por comédia, mas é pleno em drama e seus personagens tem um acento melancólico. Os filhos dessa família, apesar de superdotados, em contato com um problema familiar real, se desestruturam e seguem abalados até a fase adulta, onde tentarão ajustar contas em família. O diretor, Wes Anderson, costuma trazer personagens com estas características, frustração e fracasso pessoal, pessoas que os americanos cruelmente chamam de “loser”. O elenco é dos melhores, onde destaco Gwyneth Paltrow, em uma de suas melhores atuações. Finalizando, o filme é um belo sonho, leve no visual, pesado nas emoções e embalado por muito rock do bom.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Deixe Ela Entrar



 "Oi, estou no banheiro. Por favor, não entre! Quer ficar comigo hoje à noite? Gosto de você de verdade. Sua, Eli".

O filme sueco, Deixe Ela Entrar (Låt den rätte komma in, Suécia, 2008),  é uma pequena jóia da sétima arte. Tanto sua brutalidade quanto sua sutileza são sublimes e o filme causa grande empatia (aquilo que faz uma pessoa se colocar no lugar de outra) no expectador. Ainda tem o mérito de dar novo alento às histórias de vampiros, mostrando um tipo diferente do que estamos acostumados a ver. Conta uma história de amizade, de amor, entre duas crianças de doze anos, uma menina vampira, Eli, e um menino louro e tímido, Oskar (um dos personagens mais cativantes que já vi no cinema). Os dois se apóiam um no outro para fugir da solidão. Os personagens são mais complexos que isso. Eli traz em si o hermetismo de uma longa vivência. Oskar, vítima da violência/bullying na escola, revela nos pensamentos sua vingança, que só chega de fato através de Eli. Ele a protege da solidão com amor; e ela com amor o protege da agressão. Os diálogos entre os dois são simples e inteligentes, dando margem a mais de uma interpretação. Tudo isso dirigido com segurança, economia e sensibilidade por Tomas Alfredson. Cenas marcantes: a já famosa cena da matança na piscina, que é um primor de técnica e, para mim, a mais impactante, a descoberta do porquê ela tem que ter permissão para entrar. Filme imperdível.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Sede de Sangue



Chan-wook Park, diretor da cultuada trilogia da vingança, nos entrega mais um filme singular, tanto na qualidade quanto na violência. O filme é um banho de sangue e vai embrulhar o estômago dos mais sensíveis. O vampirismo voltou com tudo na literatura e no cinema, mas Sede de Sangue (Bakjwi/Thirst, Coréia do Sul, 2009) assim como Deixe Ela Entrar, se destacam por trazer um tipo novo de vampiro, feito com muito realismo; um modelo de como seriam essas criaturas, se existissem. Sede de Sangue, com sua história de um padre que se descobre vampiro, é um filme forte, surpreendente, que só peca um pouco no final, quando o roteiro escorrega para algo que se parece com uma comédia de humor negro, quebrando o tom que o filme vinha tendo até então.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Distrito 9


Distrito 9 (District 9, África do Sul/EUA/Nova Zelândia, 2009) é um filme maravilhoso que me arrebatou de cara. Inteligente, criativo, ousado, crítico e muito, muito bem feito. É filmado em grande parte como documentário, mas com agilidade o suficiente para não ser chato (não que os documentários sejam, mas aqui corria o risco, por não ser de fato um). Uma gigantesca nave alienígena sofre avarias e quebra na Terra, ficando estacionada no ar por meses; ela não é invadida nem derruba pelos humanos devido a sua alta tecnologia. Seus tripulantes feridos são acolhidos na Terra, mas especificamente em Joanesburgo na África do Sul ao invés de nos EUA, como de costume. Ali são mantidos em uma espécie de campo de refugiados que com o tempo vira uma favela, o Distrito 9. Por causa de seu aspecto, os ETs são chamados de camarões, pois terráqueo tem mania de apelidar os outros. Somos inteirados em detalhes do modo de vida dos ETs; vemos eles famintos, catando no lixo algo para comer, se submetendo ao tráfico de armas com nigerianos, e isso em troca de algo que adoram “comida de gato”

Com o tempo a favela dos ETs vira um caos e começa a intimidar os humanos (sul-africanos). Para elucidar a situação, a MNU (equivalente a ONU) decide desalojar os exilados, levando-os para um campo mesmo de concentração, chamado Distrito 10. O responsável por essa missão, Wikus Van De Merwe, burocrata oportunista, sem muita ética, se contamina com um líquido alienígena e começa um rápido e apavorante processo de transformação em um dos ETs, sofrendo agora o preconceito que sentia. Ele se vê perseguido, pois sendo agora um híbrido de humano-ET, ele pode manejar as poderosas armas alienígenas, que só funcionam com os aliens. Não dá para contar mais da trama sem estragar-lhe as surpresas.

O diretor sul-africano, Neill Blomkamp, apadrinhado pelo produtor Peter Jackson, fez um filme surpreendente, com caprichadas cenas de ação, como na sequência final, com forte e irônica crítica social, aproveitando sua estética de documentário (lembramos até dos documentários de Michael Moore, com sua acidez). Os efeitos visuais são fantásticos e convincentes para uma produção que custou apenas 30 milhões. Ficam claras as metáforas do campo de refugiados dos ETs com Soweto (foi filmado mesmo em Soweto) e outros distritos africanos; a xenofobia com a segregação social do Apartheid; e a situação dos ETs com a situação dos miseráveis da África; a fotografia fantástica ajuda a criar o clima de tal miséria. O ser humano se mostra tão odioso com eles como foram com seus semelhantes africanos, especialmente numa cena de sórdida crueldade, quando incendeiam os ovos dos Ets, fazendo piadas com a palavra aborto. Não agradou alguns por ter estética de documentário e a outros por apresentar tal estética e depois quebrá-la; eles não lembram que o filme é ótimo independendo da estética usada. Houve uma quebra sim, mas não de qualidade; e o filme mescla em sua narrativa a estética de documentário, não sendo um de fato; é uma obra de ficção que imita a realidade. Indicado a quatro Oscars: filme, roteiro adaptado, efeitos visuais e edição (esse para mim foi o melhor dos indicados, seguido de Bastardos Inglórios, quando as apostas iam para os medianos Avatar e Guerra ao Terror). O final do filme deixa bem clara a intenção de se fazer uma continuação; tomara que venha logo.

quarta-feira, 16 de março de 2011

“Quer saber o que eu gosto em você? Você me rejeitou”.







Azul Escuro Quase Preto (Azuloscurocasinegro, 2006), um interessante filme espanhol com toques a lá Almodóvar, mas toca predominantemente no tema da crítica social, sugerindo mais do que dando soluções. Não é um filme muito conhecido, apesar de ter ganho muitos prêmios; talvez o tenham achado pessimista demais, depressivo demais, filmado de forma muito realista, um realismo tão puro que incomoda quem quer ver mesmo a verdade um pouco maquiada.

Personagens: Jorge, um jovem ético, inteligente, bonito e infelizmente pobre; prestes a correr atrás de um futuro melhor, se vê obrigado a cuidar do pai inválido; ele fez Administração e se esforça para mudar de vida, mas suas tentativas são baldadas; é triste vê-lo sempre desejoso daquele terno na vitrine; é triste vê-lo ter vergonha de seus dentes separados e de ser porteiro; é doloroso ver sua alegria e juventude podadas. Antonio, irmão mais velho de Jorge, está preso e tenta ter um filho com Paula, outra presa; suas ambições para o futuro são morar com Paula e abrir uma vídeo locadora. Paula, bonita moça, presa atormentada por suas companheiras; ela deseja engravidar a todo custo, seja para escapar de suas molestadoras, seja para suprir a falta de uma filha que já na barriga não vingou. Israel é um jovem desocupado que vive espiando com seu binóculo o trabalho de um massagista; esse massagista faz favores sexuais aos clientes, sendo um deles o pai de Israel; logo Israel, com algum conflito, se vê outro cliente.

Essas histórias vivem se encontrando no sentido de mostrarem afinidade entre os personagens, mostrando pessoas ávidas por liberdade, mas ambas presas, enganando a si mesmas quando pensam no futuro com otimismo. Almodóvar é lembrado por temas como homossexualidade, pelo absurdo de algumas situações e pela mescla de drama e comédia na mesma dosagem, quer dizer, as situações são engraçadas não porque filmadas como comédia, mas pelo seu absurdo.

O filme é o primeiro trabalho do diretor Daniel Sánchez Arévalo, que também é responsável pelo roteiro. O elenco é ótimo, a começar pelo Quim Gutiérrez, talentoso, de causar pena em algumas cenas e belo apesar dos dentes separados. Marta Etura é uma atriz que ainda vai dar o que falar, bonita e com rosto muito dramático.

O belo título original, Azuloscurocasinegro, é uma palavra só porque o caso aqui não é de gradação, não é um azul escuro tornando-se preto, e também não é como a palavra italiana “chiaroscuro” que mostra um jogo de opostos; azuloscurocasinegro é um tom triste, frio e constante na vida desses personagens; um tom apenas...

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Eu senti... perfeito... foi perfeito!




O diretor Darren Aronofsky tem apenas 42 anos e já nos deu uma filmografia excelente, PI, Réquiem para um Sonho (meu preferido dele), Fonte da Vida, O Lutador, e agora Cisne Negro (Black Swan, 2010); fico curioso para ver como será seu próximo projeto, Wolverine 2, um filme comercial feito por um diretor de filmes alternativos.

Em Cisne Negro, um diretor de uma companhia de balé decide refazer, de forma visceral, o famoso balé O Lago dos Cisnes. Desejando inovar em tudo, aposenta a primeira bailarina, dando lugar a Nina, uma linda e talentosa bailarina, tão perfeccionista quanto insegura. Nina é ambiciosa em sua profissão e anela o papel principal do balé, a Rainha Cisne, que nessa montagem seria os dois cisnes, o branco, Odette, e o negro, Odile. Nina é perfeita para fazer o Cisne Branco, com sua timidez e encanto, mas o Cisne Negro, sendo seu oposto, é um grande desafio para ela. Por mais que tente, ela não consegue exalar a força sedutora e maliciosa que o diretor espera do Cisne Negro. Desde o começo do filme, o diretor mostra elementos que ajudam a entender como funciona a personalidade de Nina. Já sabemos que ela é ambiciosa e perfeccionista, mas qual a origem disso? Ela é perfeita, então porque a insegurança? O mais provável é que ela tenha sofrido constante pressão por parte da mãe, uma mulher amarga, uma mãe zelosa, uma bailarina frustrada por te abandonado sua arte em prol da filha, uma leoa que ao mesmo tempo em que lambe a cria, morde-lhe um pouco, como vingança. Numa cena em que Nina puxa a pele das costas a mãe lhe diz “Você voltou a fazer isso?”, indicando mesmo que Nina já fazia isso antes. Nina que já devia ter problemas de personalidade, instigada pelo diretor do balé e levada por sua própria sede de aprovação, começa a sofrer um doloroso processo mental, uma batalha psicológica, um jogo de espelhos físicos e imaginários. Nina não apenas vê coisas como ouve vozes e sons estranhos, sustos com objetos e alucinações sinistras; tudo em sua volta alude aos cisnes, um detalhe em sua banheira, o toque do seu celular, as asas nas costas de Liy. O filme permite várias leituras, Lily funcionando ao mesmo tempo como elemento açulador para que Nina solte o cisne dentro de si, e funciona como um outro Cisne Negro, sempre à espreita do Cisne Branco, para tomar-lhe não o amor, mas o papel. Lily facilmente seduz Nina, uma moça cheia de recalques que não consegue resistir ante o sensual e o proibido da vida, revelados por Lily. À medida que Nina cede, vai revelando desejos, facetas insuspeitadas. Mas como são recalcados esses desejos, não deixam de ser tormentosos para Nina e ela luta o quanto pode para não trazer-los á tona; então ao mesmo tempo em que ela luta para conseguir fazer nascer o Cisne Negro, sem perceber ela também o combate. Essa terrível luta vai devastando-a física e mentalmente e nem ela nem o público sabe mais o que é realidade ou fantasia; sua transa com Lily foi real? e o velho no metro, fez aqueles gestos? Não sabemos, mas sabemos que a grande rival de Nina é ela mesma, como lhe diz seu diretor, e a surpresa no final do filme já foi adivinhada desde cedo, o que nem por isso lhe tira a força. Sentimos muita pena de Nina durante todo o filme, pois sua cara raramente é de alegria, seu rosto mostra dor o tempo todo, pois ela só terá seu papel se se transformar em seu oposto, só viverá o Cisne Negro matando branco, ou seja, a si mesma, repetindo na sua vida real a história do balé. Então há vários cisnes negros na história. No final do filme, finalmente surge o Cisne Negro de Nina, belo, imponente, poderoso; pena que esse momento maravilhoso não dura mais do que 4 minutos. Confesso que a pouca duração da aparição do Cisne Negro me desgostou muito, pois passei todo o momento esperando por ela.

Já vimos dois exemplos, um real e outro ficcional, de como a arte pode afetar a personalidade do artista. O real foi com Vivien Leigh, quando fez a personagem Blanche DuBois, papel título da obra “Um Bonde Chamado Desejo”, de Tennessee Williams; a personagem era tão complexa e exigiu tanto da atriz que meses depois de concluídas as gravações do filme, Vivien continuava a tomar os banhos quentes de banheira, como Blache; o esforço lhe valeu o Oscar, mas quase acabou com ela. O exemplo ficcional vem de um dos maiores, senão o maior, musical de todos os tempos, “Os Sapatinhos Vermelhos”; na obra uma bailarina também se vê tiranizada por um exigente diretor e por sua própria paixão pela dança; o resultado não deixa de ser trágico.

A direção do Darren Aronofsky novamente é muito competente; ele narra a história do ponto de vista de Nina, tendo como auxílio uma câmera de mão que nunca abandona a personagem, sendo, junto com a edição, extremamente eficaz no final do filme, quando da dança do cisne negro; pela primeira vez a câmera não está na platéia, mas no palco e o resultado foi de tirar o fôlego. O diretor transforma seu filme num belo e sombrio conto de terror psicológico, usando elementos que já vimos com igual êxito em outros filmes; as cenas de mutilação que vimos em A Professora de Piano, a boneca quebrada que nos lembra O Que Terá Acontecido a Baby Jane?; a aflição de Repulsa ao Sexo. Sem falar na grande sacada de inverter a historia do balé; nele temos uma moça presa dentro de um cisne, aqui o cisne está preso dentro da moça e quer sair, terrível e esvoaçante.

A trilha sonora, calcada em Tchaikovski, foi a melhor do ano, claro, e só não concorreu ao Oscar por não ser original. A fotografia é ótima, deixando o ambiente sombrio ou vibrante na medida certa. O roteiro é bem construído e ousado em muitos momentos. Cisne Negro está indicado aos Oscar de melhor filme, direção, atriz, fotografia e edição.

O elenco é um grande trunfo. Todos estão muito bem, como a Barbara Hershey fazendo a mãe de Nina, a semelhança física é notável; Vincent Cassel como o diretor exigente e aproveitador; Mila Kunis como a sensual e divertida Lily; a nossa querida Winona Ryder como a ex-primeira bailarina Beth (achei engraçado a cena em que Nina devolve os pertences de Beth e esta lhe diz “Você roubou minhas coisas?”), não deixei de lembrar os atos de Winona nas lojas; Benjamin Millepied faz o bailarino David, e na vida real também é dançarino e casado com Natalie Portman. O grande destaque fica mesmo por conta de Natalie Portman, uma atriz que desde sua primeira aparição nas telas esbanja um talento que foi crescendo até nos surpreender em Closer. Aqui ela reina, e quando dança como o cisne negro, está soberba; sua fisionomia, seus gestos, sua respiração, seus sons inumanos e lascivos, tudo exala a força sedutora e maléfica de Odile. Acredito que Natalie carregou muito na dose de menina frágil durante todo o filme para que no final sua performance como Cisne Negro ficasse bem destacada. Natalie já ganhou o Globo de Ouro e é certo seu Oscar de melhor atriz, até porque a Academia gosta de premiar esse tipo de trabalho, quando o ator faz esforços além do normal pelo personagem; Natalie, apesar de ter feito balé quando criança, treinou um ano para fazer o filme e se prejudicou fisicamente. O resultado final emociona não só pela verossimilhança, mas por vermos um belo trabalho de uma artista esforçada; se o ator é um artista, esta interpretação é uma obra-prima da Natalie. 

Chiste...

Jim Carrey parodiando Cisne Negro

Madea como o real Cisne Negro, rsrsrs...




quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Você não consegue 500 milhões de amigos sem fazer alguns inimigos

Sozinho na multidão...



A Rede Social (The Social Network, 2010) mesmo contando a história do Facebook, do qual tenho uma conta, não é o tipo de filme que me deixaria empolgado num primeiro momento. O que torna o filme interessante, além das atuações, é a forma como é contado pelo diretor David Fincher. Temos a constante impressão do sério e do fútil; sério por abordar questões como solidão, bullying virtual e amizade; fútil pelo modo de vida da nova geração, pelo alto preço pago por coisas sem valor algum. Também sério, quando mostra um jovem que de tão gênio quanto original, vive isolado em si mesmo, mesmo que rodeado de pessoas; Mark Zuckerberg aparece o tempo todo super concentrado em algo que escapa aos outros personagens e ao público; é como se ele no fundo não estivesse ali, mas muito distante, em lugares onde só sua lógica encontra veredas (no julgamento sua atenção é sempre cobrada); isso o torna um ser alheio, displicente, rancoroso e arrogante (a cena em que ele pergunta a uma moça “quem é você?” e quando ela lhe diz o nome ele fala “Sim, mas o que você faz?” mostra bem isso), mas ele tem essas características de fato ou seu jeito particularíssimo de ser nos dá essa impressão? A narrativa ágil e não linear do David Fincher, que não nos dá tempo de nos deter muito no personagem, e a ótima atuação do Jesse Eisenberg contribuem para as impressões que falei. Já na primeira e melhor cena do filme, em que uma simples conversa com a namorada (ótimo texto) torna-se uma discussão, já se tem o relevo da personalidade do Zuckerberg, muito nerd, muito esquisito, muito inteligente, ao ponto de parecer que vive no mundo da lua; alguém que inventa a maior rede social do mundo e não consegue manter nem o melhor amigo. Jesse Eisenberg mantem inalterados tom de voz e expressão fácil, e suas palavras são rápidas e ininterruptas; um belo trabalho desse jovem ator indicado ao Globo de Ouro e ao Oscar, que se parece muito com o Michael Cera de “Juno” e que lembramos mais pelo filme “Amaldiçoados”.

O bom elenco jovem é o trunfo do filme e conta com Andrew Garfield, que faz o melhor amigo de Zuckerberg, interpretado com alguma paixão, o que faz do Eduardo Saverin um jovem com personalidade oposta a do Zuckerberg; Armie Hammer faz os gêmeos Winklevoss e é impressionante como ator, diretor e recursos técnicos nos dão realmente irmãos gêmeos; em nenhum momento nos passa pela cabeça que seja apenas um ator; Max Minghella está bem como o ganancioso sócio dos gêmeos Winklevoss; Justin Timberlake, que cada vez mais mostra gosto pelo cinema, também faz um bom trabalho como Sean Parker, co-criado do Napster (que no filme se apresenta como o criador isolado) e isso não me surpreende, pois as pessoas esquecem que desde cedo Justin atua, não como ator de carreira, mas ainda assim atua, em séries, Clube do Mickey e participações especiais.

Não sei o motivo de chamarem o filme de épico, não é para tanto. É um filme interessante, favorito nos prêmios com o O Discurso do Rei, até por falta de opção, num ano fraco. A trilha sonora tem esse “quê” de estranheza que Zuckerberg nos passa e funciona muito bem. O vencedor dos Globos de Ouro de melhor filme de drama, direção e roteiro, foi indicado a oito Oscars: filme, direção, ator, roteiro adaptado, fotografia, edição, mixagem de som e trilha sonora. É uma obra que fala mais de carência e solidão que de negócios e redes sociais. O final do filme ilustra bem isso quando Zuckerberg add em sua conta no Facebokk uma das pessoas ignoradas por ele como ser humano; ele fica atualizando sem parar a página, ansioso que ela lhe add de volta. Se há alguma esperança para uma mudança de atitude em Zuckerberg, esse final já é o começo.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Sonhar é acordar-se para dentro



O mito de Dédalo, o genial arquiteto, e de Ícaro, seu filho, nos dá não poucas lições éticas e lições sábias sobre limites, da arte, do homem, da liberdade. Não cabe aqui contar toda a rica trajetória do mito, mas certa passagem relacionada ao Labirinto do Minotauro. Sob o governo de Minos, Dédalo é obrigado a construir, a meu ver sua segunda mais engenhosa obra, o Labirinto de Cnossos, que encerra o Minotauro, filho de Minos. É o engenho da arte contendo a fúria. Passado um tempo, pai e filho são jogados no Labirinto; o objeto de arte, o seu engenho, aprisiona o artista, quando lhe escapa o objetivo central da arte que é a expressão. Quando a arte não é inspirada, ela é escrava das exigências e o artista é escravo de sua arte dominada. O Labirinto de Cnossos não tinha teto que o encobrisse; quem nele preso se achava, tinha o céu estrelado por consolo; uma prisão que se abria ao céu, ou seja, ao seu contrário, se tomarmos o céu como metáfora de liberdade. Dédalo tece então seu maior engenho, asas; não só para si, mas, também, para seu filho. Asas que são a própria liberdade confeccionada. A arte que escraviza também liberta, quando o objetivo é sublime. O vôo simboliza o infinito e o misterioso desvendados pela imaginação humana e o misterioso é um labirinto, amedronta e aprisiona até que perde seu apanágio de enigma. Dédalo era homem experimentado, sofreu em si a tragédia de querer deixar de ser limitado; uma vez liberto, só queria céu, só queira perfumes e um abraço de sua carne tenra. Mas Ícaro, pobre criatura deslumbrada, não seguiu do pai os conselhos sábios, não teme desvendar o infinito e com sede do belo, afoga-se com a beleza dourada do Sol, astro caloroso que derreteu a cera de suas asas. Tanto o pai o aconselhou que não se se aproximasse do Sol, que voasse em média altura; que não buscasse muito longe o significado das coisas.

No filme A Origem (Inception, 2010), gosto de identificar Dédalo e Ícaro com Miles e Cobb, personagens de Michael Caine e Leonardo DiCaprio. Só que o velho professor parece não ter recomendado ao Cobb que não fosse muito além, não apenas do seu limite, mas do limite de seu próximo. Quando Cobb ultrapassa limites a tragédia ocorre, uma tragédia muito pessoal onde a catarse não traz refrigérios, visto que é ilusória, é um sonho. A Ariadne mitológica não é arquiteta; conhece o Labirinto de ter sido criada ao redor dele, é filha de Minos; talvez Dédalo uma vez tenha lhe revelado um segredo: deve-se entrar no Labirinto com um novelo e desenrolá-lo sempre, tendo por saída o seguir o novelo até seu princípio. A Ariadne mitológica trai pai e reino entregando o segredo ao belo Teseu; facilmente deixou-se seduzir, assim como facilmente a Ariadne de A Origem deixa-se seduzir pelo desconhecido, que de certa forma também é belo.
A Origem é um filme com um roteiro inteligente, mas não brilhante. Desde o começo do filme as lacunas são patentes. Como se domam os sonhos? Como os ladrões entram nos sonhos? Quando a vã rola e um nível perde a gravidade, por que os outros níveis também não perdem? Por que a música é um chute? Quando ouvem a música estão conscientes para saberem que é hora de voltar? E os totens? Não se pode facilmente sonhar que ele para de girar ou que gira sem parar? Então como eles podem definir o que é sonho e realidade? Pessoas que tem o poder de manipular sonhos, não podem facilmente conseguir um visto na alfândega? Por que o Cobb não pensou nisso? O filme tenta ser muito psicológico com várias alusões a termos da psicanálise e com objetos que os personagens chamam de totem, que lembra o livro Totem e Tabu de Freud, mas que não tem nada a ver com o livro (a não ser que se queira fazer um paralelo entre os totens do filme com o totemismo do livro, que diz respeito a um tipo de sistema social onde as relações são marcadas pelo respeito, normas e costumes do clã, sendo o tabu o elemento que protege o totem). O filme tem um enredo intricado; palmas para seu autor, o inteligente diretor Christopher Nolan, que nos deu um filme que está sendo elogiado por não trazer mastigadas informações que explicariam o filme. Mas trazer elementos altamente específicos e não explicá-los bem, não me parece boa coisa; falta um certo didatismo no filme, mas usar didatismo em filmes com brilho é para poucos, como Tarantino. Se falo assim, logo dirão “Ele sente falta de didatismo por não entender o filme”. Errado. Entendi sim, até onde o filme usa a lógica; quando o diretor foge da lógica, para que seu filme vire um enigma, eu não entendo mesmo e garanto que não estou sozinho nesse sentido, pois muitos dos admiradores ferrenhos do filme, mormente os mais jovens, exatamente por não entenderem o acham inteligentíssimo. Para eles, uso uma frase do filme “Voltem para a realidade”.

Christopher Nolan é um diretor admirado e conhecido por filmes muito cerebrais como seus cultuados Amnésia, Insônia, O Grande Truque, Interestelar e até o Cavaleiro das Trevas, que tinha uma inteligência anárquica. Por ser um diretor tão cerebral, até no modo de filmar, suas obras são demasiadamente concretas, objetivas, sólidas, e isso elimina todo o elemento onírico, que devia ter sido a coisa mais forte em todo o filme. Onde o onírico? Onde o tortuoso dos sonhos? Não se vê no filme nem uma ponta do elemento feérico visto com Peter Jackson em “Almas Gêmeas”, com Akira Kurosawa em “Sonhos”, com David Lynch em toda sua obra, e até em filmes mais recentes como “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças”. Mas não devo ser tão severo com Nolan esperando que ele em tão pouco tempo atinja o nível desses consagrados diretores. Mas os jovens adoradores de A Origem precisam ver mais filmes consagrados, pois é fácil dizer que um filme é o mais sensacional da década quando se tem como parâmetro Avatar e coisas do tipo. Até Matrix conseguiu dar mais nós no cérebro que A Origem.

O Próspero, de “A Tempestade”, de Shakespeare, já disse que “Somos feitos da matéria dos sonhos; nossa vida pequenina é cercada pelo sono”. Esse entendimento que temos dos sonhos não é visto no filme. Sonhos são imprevisíveis, são nebulosos, trazem acontecimentos que não existem no mundo vígil, como mudanças repentinas de tempo e lugar, idade, pessoas mortas com vivas, seres e objetos fantásticos, inexistentes. Segundo Jung, nos sonhos acontece até mesmo a mudança da própria identidade, ou então não há identidade alguma, apenas acontecimentos sendo observados. Isso foi o que senti falta no filme, não falta de estrutura (pois os fãs do filme usam como desculpa da omissão do elemento onírico a figura do arquiteto), mas da própria substância de que são feitos os sonhos. Não adianta um trem invadir o trânsito para caracterizar um sonho, pois esse trem não tem substância de sonho. Por falar na figura do arquiteto, lembro de uma frase de Friedrich Nietzsche que diz “Nada lhe pertence mais que seus sonhos”; não acredito que um arquiteto de sonhos possa forjar algo tão intrínseco do indivíduo. Às vezes, quando estamos sonhando, tudo é tão inverossímil que percebemos que aquilo não é uma realidade, mas não temos domínio sobre nós mesmos nessa hora para nos aproveitar do momento e manipular nosso próprio sonho. Sono, Morte e Esquecimento são irmãos, a negra Noite os gerou, assim como gerou toda a raça dos Sonhos. O terreno é obscuro demais para ser percorrido. Acha mais quem se perde. Mas o que estou fazendo? Estou cometendo o mesmo erro dos fãs do filme, que é levar a sério conceitos de um filme que é ficção, entretenimento. Talvez Nolan tenha aberto mão do elemento onírico por achar difícil confundir o público se o usasse, pois se houvesse o onírico sempre presente, o público saberia de imediato o que era sonho e o que era realidade. Se assim foi, foi uma saída compreensível, mas não plausível.

Voltando ao enredo do filme, o que há de realmente muito forte e psicológico é a relação de Cobb com Mal, sua falecida esposa. Aqui o filme lembra muito A Ilha do Medo, onde DiCaprio faz uma variação mais tenaz do seu personagem em A origem. Cobb vive em dois mundos, um real e outro ilusório, sendo que o ilusório para ele é mais real do que a própria realidade; é para lá que ele está sempre indo em busca de absolvição. Cobb é seu próprio paciente e quando se aprofunda nos sonhos está querendo resolver seus traumas, está em busca de alta. Sua fraqueza se revela logo no começo do filme quando Mal aparece para estragar seus planos. Ela aparece nos momentos em que ele está mais tenso, sabotando-o. Porém Mal já morreu, então quem sabota Cobb não é ela, mas seu próprio subconsciente; até o totem que usa não é dele, era da esposa, o que dá uma grande complexidade ao personagem. Uma vez presos no limbo, Mal e Cobb adotam o sonho como sua realidade, pois o sonho aparece como sinônimo de felicidade já que o mundo perfeito que sempre sonharam é possível. O mundo que criam é um mundo idealizado, onde tudo que é falso passa por real, pois a perfeição só pode existir assim, numa fantasia e o resultado disso com o tempo é que Mal enlouquece, pois o ser humano necessita do real. Mal necessita do real, mas prefere o sonho, como uma dolorosa Blanche du Bois. Cobb sente toda a amargura de ter sido o responsável pela tragédia do casal; sente a culpa por ter ido longe demais. Freud disse que o sonho é a tentativa de satisfazer um desejo, por isso Cobb está sempre em busca da mulher no seu sonho, para extirpar de si um mal que o devora. Mas como acontece em Ilha do Medo, a realidade, mesmo resolvida, pode ser muito dolorosa; quem sabe Cobb ainda não tenha resolvido a questão por preferir a bela mentira do sonho? Cervantes já afirmou que o sonho é o alívio das misérias que nós temos quando estamos acordados. E Nietzsche falou que a mordida da consciência é indecente. Mal é muito bem interpretada por Marion Cotillard, atriz que ficou conhecida por ter feito Edith Piaf no cinema; talvez como uma homenagem à atriz o diretor tenha usado a música “Non, Je Ne Regrette Rien”, imortalizada por Piaf, como chute para o despertar do sono. 

Figura esquemática para entender os níveis de realidade e de sonhos:






Agora o final. O final (um pouco maçante) foi feito para enganar os incautos e foi uma tacada de mestre de Nolan; foi o final do filme o que mais gerou discussões e voltas do público aos cinemas para rever, meditar e tirar suas conclusões do aconteceu com Cobb. Cobb voltou dos sonhos ou não? Esta pergunta está longe de ter uma resposta unânime. Nesse sentido, A Origem deverá ter o mesmo destino de Blade Runner, a perene incerteza. Como não ter dúvida sempre se os filósofos dizem que a certeza não está disponível? Como Cobb pode ter certeza de estar ou não acordado, se até Jacques Lacan indagou certa vez “Como ter certeza de que não somos impostores”?  No momento final do filme, Cobb gira o pião para certificar-se se está sonhando ou não e o pião gira, o que caracteriza o sonho, mas depois oscila e dá a impressão de que vai cair, o que determinaria a realidade, então cai o pano antes da queda.

Posso dizer que ele não voltou do sonho, pois todos os personagens estão olhando para ele quando desce do avião, e olham com sorrisos nos olhos; os filhos mantem a mesma posição, roupas semelhantes, até a luz é igual. E ainda podemos usar as palavras daquele velho no porão, Yusuf (Yusuf é o nome arábico do José da Bíblia, que era intérprete de sonhos): “O sonho deles se tornou realidade”.
Posso dizer, também, que ele voltou, pois como observou um amigo especialista em semiótica (que observou até que quando em sonho Cobb está de aliança, o que não ocorre na realidade), as atitudes de Cobb denunciam a realidade; ele está o tempo todo inseguro e em dúvida sobre tudo, sobre ele mesmo, sobre os outros personagens e fica apreensivo até o último momento, na expectativa de ser ou não aprovado seu desembarque. Ora, sonhos são perfeitos, se era sonho ele devia estar o mais confiante dos homens; porque a dúvida?

Descartes dizia que não poucas vezes acreditou e teve absoluta certeza de estar fazendo algo e, de repente, despertava e via que tudo foi sonho. Sonhos do cotidiano, lendo, escrevendo e, na verdade, estava dormindo. Então a dúvida de Cobb esteve nele, pois indagou dele mesmo como ter certeza de não estar sonhando nesse exato momento. Descartes imaginou que nunca teria certeza se estava sonhando ou desperto, quando chegou a este pensamento: “Suponha que todos os erros e ilusões de minha parte sejam devidos ao fato de existir, sem que eu saiba, um espírito superior cujo único objetivo é iludir-me e que pode exercer poder sobre-humano sobre mim; pode me fazer dormir e então sonhar nitidamente que estou desperto, ou fazer tudo o que olho parecer outra coisa, ou fazer-me acreditar que dois e dois são cinco (a inserção). Existe alguma coisa acerca da qual mesmo um espírito maligno como esse seria incapaz de me iludir? Sim. Os lampejos de minha consciência são o que são. Posso sempre supor que estou sentado junto à lareira quando de fato não há lareira alguma e estou na cama dormindo, todavia esse supor que estou sentado ao lado da lareira é um fato inescapável. Assim, a única coisa nesse e em qualquer outro caso da qual posso estar inabalavelmente seguro é de que estou tendo as experiências que estou tendo. E a partir daí há coisas que posso inferir com absoluta certeza. Primeiro de tudo, significa que sei que sou algum tipo de ser existente. Posso não conhecer minha própria natureza, mas que eu existo é fato seguro; sei com absoluta certeza ainda que sou um ser que tem experiências conscientes, as experiências conscientes particulares que tenho. Portanto: Cogito ergo sum, ‘Penso, então sou’.” Assim, Hegel também afirma “O real é o racional e o racional é o real”.  E, segundo Charles Sanders Peirce, “O real, portanto, é aquilo que mais cedo ou mais tarde, resultaria em informação e raciocínio”.
Então num sonho ou não, Cobb está numa realidade, a da sua consciência. Mario Quintana disse que “Sonhar é acordar-se para dentro”.

Os elementos técnicos do filme são excelentes. A trilha sonora, apesar de não onírica, funciona bem ao dar um tom de tensão e suspense ao filme; os efeitos especiais são caprichadíssimos, direção de arte e fotografia idem, mas a edição é que está fantástica, e quando aliada aos efeitos especiais, dá um resultado deslumbrante, como a famosa cena da briga no quarto sem gravidade, para mim a melhor seqüência do filme. 

Parabenizo a coragem e o ousio do Christopher Nolan de ter posto tantos elementos cerebrais em um filme comercial; isso mostra o prestígio que ele tem com os estúdios. A Origem é ótimo, mas está longe de ser uma obra-prima; Memento (Amnésia) ainda é, para mim, seu filme mais cerebral e original.