sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Verônicas

                    





A polonesa Weronika e a francesa Véronique nasceram no mesmo ano e são a mesma pessoa com poucas diferenças, talvez nenhuma, de acordo com o ponto de vista de cada um, já que essa é uma obra bastante subjetiva, como um quadro na parede, pedindo o parecer particular de quem o observa. Um elo as liga, a música. Um sentimento as intriga, a intuição de algo que falta, de algo que se escapa, deixando ambas sozinhas no mundo; esse algo é justamente a existência de outro (entra aqui o conceito do “duplo”, idéia que não sigo, preferindo acreditar na alma una das Verônicas) alguém não apenas igual a si mesmo, mas outro alguém que é exatamente a própria pessoa (em um lance rápido, no começo do filme, uma das Verônicas vê a outra e tem apenas uma sensação estranha; isso é muito compreensivo e dá o que pensar: se víssemos a nós mesmos em um ponto de ônibus ou dentro de um metrô, será que nos reconheceríamos de imediato? Por mais que conheçamos nossa imagem do espelho, acredito que levaria algum tempo para a ficha cair, tão surreal seria a situação). Parece confuso e não deixa de ser para as Verônicas, mas, para o espectador, tudo é tão simples, tão fluído, tão comum, tal o modo que o grande diretor Krzysztof Kieslowski guia a história do filme A Dupla Vida de Véronique (La Doublé Vie de Véronique, França/Polônia/Noruega, 1991), onde a poesia e a delicadeza tomam lugar numa narrativa que poderia ser toda angústia, toda mistério. Nada é dito, mas temos certeza de que gêmeas não são. E não temos necessidade que o fenômeno se explique; a única coisa que queremos é que Verônica não sofra, pois não existe ser mais doce e meigo, mais lindo e poético que ela; belíssimo trabalho de Irene Jacob, premiada em Cannes pela atuação. O final do filme tem um tom mais didático, mas mesmo esse didatismo é mostrado através da fantasia, com a entrada em cena do escritor de livros infantis, que inventa para suas belas marionetes a história de duas mulheres que estranhamente são uma só.
A música, tirada de Dante, é um elemento importantíssimo no filme, ligando as duas Verônicas e nos dizendo muito sobre elas. Uma música que está onipresente, cantada, tocada na flauta ou apenas silentemente sentida. Com sua costumeira fotografia, Krzysztof Kieslowski nos conta lindamente a história dessa cigarra, criatura venturosa de ignorar a própria desventura. Belo filme.