quinta-feira, 17 de março de 2011

Distrito 9


Distrito 9 (District 9, África do Sul/EUA/Nova Zelândia, 2009) é um filme maravilhoso que me arrebatou de cara. Inteligente, criativo, ousado, crítico e muito, muito bem feito. É filmado em grande parte como documentário, mas com agilidade o suficiente para não ser chato (não que os documentários sejam, mas aqui corria o risco, por não ser de fato um). Uma gigantesca nave alienígena sofre avarias e quebra na Terra, ficando estacionada no ar por meses; ela não é invadida nem derruba pelos humanos devido a sua alta tecnologia. Seus tripulantes feridos são acolhidos na Terra, mas especificamente em Joanesburgo na África do Sul ao invés de nos EUA, como de costume. Ali são mantidos em uma espécie de campo de refugiados que com o tempo vira uma favela, o Distrito 9. Por causa de seu aspecto, os ETs são chamados de camarões, pois terráqueo tem mania de apelidar os outros. Somos inteirados em detalhes do modo de vida dos ETs; vemos eles famintos, catando no lixo algo para comer, se submetendo ao tráfico de armas com nigerianos, e isso em troca de algo que adoram “comida de gato”

Com o tempo a favela dos ETs vira um caos e começa a intimidar os humanos (sul-africanos). Para elucidar a situação, a MNU (equivalente a ONU) decide desalojar os exilados, levando-os para um campo mesmo de concentração, chamado Distrito 10. O responsável por essa missão, Wikus Van De Merwe, burocrata oportunista, sem muita ética, se contamina com um líquido alienígena e começa um rápido e apavorante processo de transformação em um dos ETs, sofrendo agora o preconceito que sentia. Ele se vê perseguido, pois sendo agora um híbrido de humano-ET, ele pode manejar as poderosas armas alienígenas, que só funcionam com os aliens. Não dá para contar mais da trama sem estragar-lhe as surpresas.

O diretor sul-africano, Neill Blomkamp, apadrinhado pelo produtor Peter Jackson, fez um filme surpreendente, com caprichadas cenas de ação, como na sequência final, com forte e irônica crítica social, aproveitando sua estética de documentário (lembramos até dos documentários de Michael Moore, com sua acidez). Os efeitos visuais são fantásticos e convincentes para uma produção que custou apenas 30 milhões. Ficam claras as metáforas do campo de refugiados dos ETs com Soweto (foi filmado mesmo em Soweto) e outros distritos africanos; a xenofobia com a segregação social do Apartheid; e a situação dos ETs com a situação dos miseráveis da África; a fotografia fantástica ajuda a criar o clima de tal miséria. O ser humano se mostra tão odioso com eles como foram com seus semelhantes africanos, especialmente numa cena de sórdida crueldade, quando incendeiam os ovos dos Ets, fazendo piadas com a palavra aborto. Não agradou alguns por ter estética de documentário e a outros por apresentar tal estética e depois quebrá-la; eles não lembram que o filme é ótimo independendo da estética usada. Houve uma quebra sim, mas não de qualidade; e o filme mescla em sua narrativa a estética de documentário, não sendo um de fato; é uma obra de ficção que imita a realidade. Indicado a quatro Oscars: filme, roteiro adaptado, efeitos visuais e edição (esse para mim foi o melhor dos indicados, seguido de Bastardos Inglórios, quando as apostas iam para os medianos Avatar e Guerra ao Terror). O final do filme deixa bem clara a intenção de se fazer uma continuação; tomara que venha logo.

quarta-feira, 16 de março de 2011

“Quer saber o que eu gosto em você? Você me rejeitou”.







Azul Escuro Quase Preto (Azuloscurocasinegro, 2006), um interessante filme espanhol com toques a lá Almodóvar, mas toca predominantemente no tema da crítica social, sugerindo mais do que dando soluções. Não é um filme muito conhecido, apesar de ter ganho muitos prêmios; talvez o tenham achado pessimista demais, depressivo demais, filmado de forma muito realista, um realismo tão puro que incomoda quem quer ver mesmo a verdade um pouco maquiada.

Personagens: Jorge, um jovem ético, inteligente, bonito e infelizmente pobre; prestes a correr atrás de um futuro melhor, se vê obrigado a cuidar do pai inválido; ele fez Administração e se esforça para mudar de vida, mas suas tentativas são baldadas; é triste vê-lo sempre desejoso daquele terno na vitrine; é triste vê-lo ter vergonha de seus dentes separados e de ser porteiro; é doloroso ver sua alegria e juventude podadas. Antonio, irmão mais velho de Jorge, está preso e tenta ter um filho com Paula, outra presa; suas ambições para o futuro são morar com Paula e abrir uma vídeo locadora. Paula, bonita moça, presa atormentada por suas companheiras; ela deseja engravidar a todo custo, seja para escapar de suas molestadoras, seja para suprir a falta de uma filha que já na barriga não vingou. Israel é um jovem desocupado que vive espiando com seu binóculo o trabalho de um massagista; esse massagista faz favores sexuais aos clientes, sendo um deles o pai de Israel; logo Israel, com algum conflito, se vê outro cliente.

Essas histórias vivem se encontrando no sentido de mostrarem afinidade entre os personagens, mostrando pessoas ávidas por liberdade, mas ambas presas, enganando a si mesmas quando pensam no futuro com otimismo. Almodóvar é lembrado por temas como homossexualidade, pelo absurdo de algumas situações e pela mescla de drama e comédia na mesma dosagem, quer dizer, as situações são engraçadas não porque filmadas como comédia, mas pelo seu absurdo.

O filme é o primeiro trabalho do diretor Daniel Sánchez Arévalo, que também é responsável pelo roteiro. O elenco é ótimo, a começar pelo Quim Gutiérrez, talentoso, de causar pena em algumas cenas e belo apesar dos dentes separados. Marta Etura é uma atriz que ainda vai dar o que falar, bonita e com rosto muito dramático.

O belo título original, Azuloscurocasinegro, é uma palavra só porque o caso aqui não é de gradação, não é um azul escuro tornando-se preto, e também não é como a palavra italiana “chiaroscuro” que mostra um jogo de opostos; azuloscurocasinegro é um tom triste, frio e constante na vida desses personagens; um tom apenas...