domingo, 22 de agosto de 2010

Grandes Esperanças




Sempre achei lindíssimo este título Grandes Esperanças (Great Expectations, 1946), apesar de inadequado, pois o sentido correto é dado pela palavra Expectativa, não só por uma questão de tradução, mas porque é o que Pip recebe de novo (esperança todos tem sempre, ao menos os não simples de coração, que percebem o sabor amargo que a vida sempre deixa na boca, por mais doce que seja a guloseima). São as expectativas que Pip ganha que lhe permitem uma viagem onde adquire maturidade e autoconhecimento, coisas que apesar de importantes, ele e o leitor/expectador sabem que não lhe teriam nunca feito falta, se tivesse continuado sua vida simples, honesta e algo diferente de feliz (ou felicidade não percebida). Houve muitas versões do clássico do Charles Dickens para o cinema, mas nenhuma se compara a essa do grande diretor britânico, David Lean, que já estava experiente no tema do amor dorido, pois antes desse magnífico filme, fez a obra-prima Desencanto (Brief Encounter, 1945). Existem opiniões de que uma boa adaptação tem que se diferenciar da obra original, justamente para que faça sentido à palavra ‘adaptação’ e não seja mera cópia; interessante como essa versão está muito acima das outras em qualidade e seja a mais fiel à obra de Dickens. Impressionam a caracterização das personagens, o clima, e a riqueza de detalhes, mormente na construção da senhora Havisham, tanto na sua desolada psique quanto na atmosfera sombria em que vive; o cenário da apodrecida festa de casamento é impressionante e o claro-escuro ajuda a criar o cenário aterrador em que Pip vai entrando, cenário só menos aterrador que sua moradora (Oscar de fotografia e direção de arte; o filme concorreu aos Oscars de melhor filme, direção e roteiro adaptado). Grandes Esperanças é uma história de amor, mas o amor mostrado em sua faceta mais terrível, a paixão, pois foi justamente esse sentimento que criou um monstro tal como senhora Havisham, personagem tão fantástico e poderoso que parece pura ficção; falo ‘parece’ porque um contemporâneo de Dickens afirmou que foi um relato seu da realidade que inspirou a Dickens a personagem e diz que ela difere pouco da realidade descrita; afirmou que as tintas usadas pelo autor não foram de modo algum exageradas. Não se pode afirmar que exista alguém que viva ou viveu em tal atmosfera fantasmagórica, mas pode-se com certeza afirmar que quanto à extrema amargura e rancor, é perfeitamente normal que exista um sem número de senhoras Havisham, e isso apoiado pela Psicologia, pois o próprio Freud sempre viu a paixão (Pathos) mais próxima da patologia do que de algo salubre para a psique. Outra mola importante da história é o que dinheiro e o que ele propicia faz com as pessoas, turvando caracteres ou os confirmando. Dickens tratou o interior inglês e Londres com igualdade: ambos feios e gananciosos. E, por fim, vem a gratidão/ingratidão e o arrependimento. Do começo ao fim a sensação sentida é de tragédia, a tragédia da consciência culpada e do tempo perdido, onde não há como se voltar atrás jamais. A lição aprendida vem já tarde, o que nos faz pensar que o mal-estar acompanhará os personagens até a morte. Depois desta só existe descanso, por um tempo...

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