segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Eu senti... perfeito... foi perfeito!




O diretor Darren Aronofsky tem apenas 42 anos e já nos deu uma filmografia excelente, PI, Réquiem para um Sonho (meu preferido dele), Fonte da Vida, O Lutador, e agora Cisne Negro (Black Swan, 2010); fico curioso para ver como será seu próximo projeto, Wolverine 2, um filme comercial feito por um diretor de filmes alternativos.

Em Cisne Negro, um diretor de uma companhia de balé decide refazer, de forma visceral, o famoso balé O Lago dos Cisnes. Desejando inovar em tudo, aposenta a primeira bailarina, dando lugar a Nina, uma linda e talentosa bailarina, tão perfeccionista quanto insegura. Nina é ambiciosa em sua profissão e anela o papel principal do balé, a Rainha Cisne, que nessa montagem seria os dois cisnes, o branco, Odette, e o negro, Odile. Nina é perfeita para fazer o Cisne Branco, com sua timidez e encanto, mas o Cisne Negro, sendo seu oposto, é um grande desafio para ela. Por mais que tente, ela não consegue exalar a força sedutora e maliciosa que o diretor espera do Cisne Negro. Desde o começo do filme, o diretor mostra elementos que ajudam a entender como funciona a personalidade de Nina. Já sabemos que ela é ambiciosa e perfeccionista, mas qual a origem disso? Ela é perfeita, então porque a insegurança? O mais provável é que ela tenha sofrido constante pressão por parte da mãe, uma mulher amarga, uma mãe zelosa, uma bailarina frustrada por te abandonado sua arte em prol da filha, uma leoa que ao mesmo tempo em que lambe a cria, morde-lhe um pouco, como vingança. Numa cena em que Nina puxa a pele das costas a mãe lhe diz “Você voltou a fazer isso?”, indicando mesmo que Nina já fazia isso antes. Nina que já devia ter problemas de personalidade, instigada pelo diretor do balé e levada por sua própria sede de aprovação, começa a sofrer um doloroso processo mental, uma batalha psicológica, um jogo de espelhos físicos e imaginários. Nina não apenas vê coisas como ouve vozes e sons estranhos, sustos com objetos e alucinações sinistras; tudo em sua volta alude aos cisnes, um detalhe em sua banheira, o toque do seu celular, as asas nas costas de Liy. O filme permite várias leituras, Lily funcionando ao mesmo tempo como elemento açulador para que Nina solte o cisne dentro de si, e funciona como um outro Cisne Negro, sempre à espreita do Cisne Branco, para tomar-lhe não o amor, mas o papel. Lily facilmente seduz Nina, uma moça cheia de recalques que não consegue resistir ante o sensual e o proibido da vida, revelados por Lily. À medida que Nina cede, vai revelando desejos, facetas insuspeitadas. Mas como são recalcados esses desejos, não deixam de ser tormentosos para Nina e ela luta o quanto pode para não trazer-los á tona; então ao mesmo tempo em que ela luta para conseguir fazer nascer o Cisne Negro, sem perceber ela também o combate. Essa terrível luta vai devastando-a física e mentalmente e nem ela nem o público sabe mais o que é realidade ou fantasia; sua transa com Lily foi real? e o velho no metro, fez aqueles gestos? Não sabemos, mas sabemos que a grande rival de Nina é ela mesma, como lhe diz seu diretor, e a surpresa no final do filme já foi adivinhada desde cedo, o que nem por isso lhe tira a força. Sentimos muita pena de Nina durante todo o filme, pois sua cara raramente é de alegria, seu rosto mostra dor o tempo todo, pois ela só terá seu papel se se transformar em seu oposto, só viverá o Cisne Negro matando branco, ou seja, a si mesma, repetindo na sua vida real a história do balé. Então há vários cisnes negros na história. No final do filme, finalmente surge o Cisne Negro de Nina, belo, imponente, poderoso; pena que esse momento maravilhoso não dura mais do que 4 minutos. Confesso que a pouca duração da aparição do Cisne Negro me desgostou muito, pois passei todo o momento esperando por ela.

Já vimos dois exemplos, um real e outro ficcional, de como a arte pode afetar a personalidade do artista. O real foi com Vivien Leigh, quando fez a personagem Blanche DuBois, papel título da obra “Um Bonde Chamado Desejo”, de Tennessee Williams; a personagem era tão complexa e exigiu tanto da atriz que meses depois de concluídas as gravações do filme, Vivien continuava a tomar os banhos quentes de banheira, como Blache; o esforço lhe valeu o Oscar, mas quase acabou com ela. O exemplo ficcional vem de um dos maiores, senão o maior, musical de todos os tempos, “Os Sapatinhos Vermelhos”; na obra uma bailarina também se vê tiranizada por um exigente diretor e por sua própria paixão pela dança; o resultado não deixa de ser trágico.

A direção do Darren Aronofsky novamente é muito competente; ele narra a história do ponto de vista de Nina, tendo como auxílio uma câmera de mão que nunca abandona a personagem, sendo, junto com a edição, extremamente eficaz no final do filme, quando da dança do cisne negro; pela primeira vez a câmera não está na platéia, mas no palco e o resultado foi de tirar o fôlego. O diretor transforma seu filme num belo e sombrio conto de terror psicológico, usando elementos que já vimos com igual êxito em outros filmes; as cenas de mutilação que vimos em A Professora de Piano, a boneca quebrada que nos lembra O Que Terá Acontecido a Baby Jane?; a aflição de Repulsa ao Sexo. Sem falar na grande sacada de inverter a historia do balé; nele temos uma moça presa dentro de um cisne, aqui o cisne está preso dentro da moça e quer sair, terrível e esvoaçante.

A trilha sonora, calcada em Tchaikovski, foi a melhor do ano, claro, e só não concorreu ao Oscar por não ser original. A fotografia é ótima, deixando o ambiente sombrio ou vibrante na medida certa. O roteiro é bem construído e ousado em muitos momentos. Cisne Negro está indicado aos Oscar de melhor filme, direção, atriz, fotografia e edição.

O elenco é um grande trunfo. Todos estão muito bem, como a Barbara Hershey fazendo a mãe de Nina, a semelhança física é notável; Vincent Cassel como o diretor exigente e aproveitador; Mila Kunis como a sensual e divertida Lily; a nossa querida Winona Ryder como a ex-primeira bailarina Beth (achei engraçado a cena em que Nina devolve os pertences de Beth e esta lhe diz “Você roubou minhas coisas?”), não deixei de lembrar os atos de Winona nas lojas; Benjamin Millepied faz o bailarino David, e na vida real também é dançarino e casado com Natalie Portman. O grande destaque fica mesmo por conta de Natalie Portman, uma atriz que desde sua primeira aparição nas telas esbanja um talento que foi crescendo até nos surpreender em Closer. Aqui ela reina, e quando dança como o cisne negro, está soberba; sua fisionomia, seus gestos, sua respiração, seus sons inumanos e lascivos, tudo exala a força sedutora e maléfica de Odile. Acredito que Natalie carregou muito na dose de menina frágil durante todo o filme para que no final sua performance como Cisne Negro ficasse bem destacada. Natalie já ganhou o Globo de Ouro e é certo seu Oscar de melhor atriz, até porque a Academia gosta de premiar esse tipo de trabalho, quando o ator faz esforços além do normal pelo personagem; Natalie, apesar de ter feito balé quando criança, treinou um ano para fazer o filme e se prejudicou fisicamente. O resultado final emociona não só pela verossimilhança, mas por vermos um belo trabalho de uma artista esforçada; se o ator é um artista, esta interpretação é uma obra-prima da Natalie. 

2 comentários:

  1. Ótima resenha, como sempre, Danilo! Como você sabe, não consegui gostar muito do filme. Sua resenha é um daqueles exemplos de textos que conseguem ser melhores do que o filme.

    Bjs e até logo
    Dani

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