A Ofélia de John Everett Milais
O último filme do Lars
von Trier, (Melancholia, Dinamarca /Suécia
/ França / Alemanha / Itália, 2011), já começa belo pelo título.
Melancolia, resumindo laconicamente todos os aspectos do termo, é um estado soturno
da mente.
O Prólogo (é assim
mesmo que devemos chamar, pois há quem diga que não se trata exatamente de um
prólogo, mas sim de um resumo, enquanto prólogo é algo como uma introdução. Mas
prólogo no teatro antigo ou contemporâneo é mesmo a parte inicial da obra, onde
se faz a exposição do tema, onde são oferecidos os elementos precedentes e
elucidativos do que vai ser apresentado), como ocorreu com O Anti-Cristo, por
si só vale o preço do ingresso; é uma sequência de imagens de beleza ímpar,
poucas vezes vista no cinema e, ainda por cima, levadas pelo tema Tristão e
Isolda, de Wagner. Esse prólogo resume o significado da melancolia de muitos modos;
há a beleza de uma natureza conformada com seu fim; há uma mãe e uma noiva
tendo os passos tolhidos por uma ambiência vegetal que lhes diz que é
inevitável uma fuga; fugir para onde, se até mesmo o devir não promete
refrigérios? A mesma noiva agora jaz conformada num leito líquido e noturno,
tal qual Ofélia outrora jazeu conformada na tela de John Everett Millais e em
todas as representações de Hamlet (Ofélia também se desesperou encontrando a serenidade
somente na alienação da mente e na natureza; já Justine encontra a serenidade na
plenitude de sua racionalidade, libertando-se das fendas familiares que a
espremiam e ficam em mistério para nós); há a poderosa imagem de personagens
estáticos ao luar triste, se apresentando defronte a um castelo, para no fim
da película se despedirem de maneira mais poderosa ainda.
Então começa de fato o
filme. Banalidades, risos, emoções disfarçadas e uma impressão de algo estranho
pairando no ar. A felicidade de Justine é aparente. Acabou-se a festa, chega de
brincadeira. O acúmulo constante da melancolia transborda em depressão, e toda
esperança de alguma felicidade é baldada pela certeza absoluta de algo triste,
inexoravelmente triste, onde as vozes não fazem eco, não se escutam. A
melancolia não é só de Justine, é também da própria natureza e de todo o
planeta; e parece que só Justine entra em simbiose com os elementos, talvez por
estar calejada, experimentada demais nesse sentimento. O fato de o planeta que
vai destruir a Terra chamar-se Melancolia e ter um tom azul (blue, triste em
inglês), ter ficado todo esse tempo em segredo “escondido atrás do Sol”, o
brilhante astro que traz alegria, é uma ideia sublime, poética, rica em
significados, do diretor, que também é adepto desse estado da alma. Como ele
falou em entrevista: “A Depressão é o fim do mundo”. Para alguns, esse filme teria
levado a Palma de Ouro em Cannes, caso o diretor não tivesse virado persona non grata por conta da frase sobre Hitler. Bem, acho que A Árvore da Vida (que de
algum modo tem ligação com este filme aqui, talvez por lá vermos o começo e aqui o fim ou
por outros motivos que me escapam), tem méritos suficientes para ter ganho o
prêmio máximo; também não acho correto prejudicar uma obra de grande qualidade
por conta do caráter de seu autor. Há casos na Arte e na Literatura de homens
um tanto ignóbeis que produziram obras de grandeza e nobreza incomparáveis,
como um tipo de Dorian Gray às avessas. Ao menos Kirsten Dunst ganhou a palma
de melhor atriz. Essas atrizes (como aconteceu com Nicole Kidman), acostumadas
somente com o posto de estrelas de Hollywood, conhecem, algumas vezes, o de
atriz.
A morte/fim é anunciada,
como nas tragédias. Desespero e conformismo se revezam. Personagens trocam suas
atitudes, o forte de ontem agora é frágil cristal; alguns apenas disfarçam a covardia,
sumindo-se na surdina inútil, enquanto outro é protegido pela pueril ingenuidade.
E, como disse Augusto dos Anjos, “O fim das coisas mostra-se medonho”. Nunca um
fim do mundo foi tão fim do mundo no cinema. O diretor Lars von Trier conseguiu
mais impacto e comoção com o extermínio de três pessoas do que Hollywood jamais
conseguiu matando milhões ao mesmo tempo em seus filmes sobre fim do mundo. Acaba-se tudo e nós, espectadores,
estamos lá, implacavelmente deixados sozinhos e em grande desconforto, apenas
com uma certeza, a de que o fim de tudo é surdo, inapelável e, se acontecer,
tem chances de ser daquele jeito.
Danilo, que texto!
ResponderExcluirGosto desse filme tanto quanto você. Filme perfeito, acho: aquelas imagens do prelúdio, que ainda ecoa a música de outro prelúdio maravilhoso, o do "Tristão e Isolda", são uma das coisas mais lindas feitas pelo cinema. Creio, aliás, que "Melancolia" foi o melhor do ano passado (infinitamente superior ao pretensioso "Árvore da Vida"). O estado melancólico é tão bem construído nele que o espectador acaba tornando-se parte disso. Como você tão bem diz, nunca o fim do mundo foi tão fim do mundo como aqui. Com seu concerto de imagens, Lars Von Trier dá a ver a nossa pequenez frente ao universo inexorável. Tão frágeis quanto a natureza, daí as imagens lindas da Kirsten Dunst (sensacional como nunca) entregue às águas e às flores, naquela inação oriunda do estado melancólico - que é, paradoxalmente, a inação oriunda da descoberta do verdadeiro espaço que ocupamos no Universo.
Parabéns pelo texto, meu amigo!
Dani