sexta-feira, 4 de maio de 2012

A Depressão é o fim do mundo


A Ofélia de John Everett Milais
O último filme do Lars von Trier, (Melancholia, Dinamarca /Suécia / França / Alemanha / Itália, 2011), já começa belo pelo título. Melancolia, resumindo laconicamente todos os aspectos do termo, é um estado soturno da mente.

O Prólogo (é assim mesmo que devemos chamar, pois há quem diga que não se trata exatamente de um prólogo, mas sim de um resumo, enquanto prólogo é algo como uma introdução. Mas prólogo no teatro antigo ou contemporâneo é mesmo a parte inicial da obra, onde se faz a exposição do tema, onde são oferecidos os elementos precedentes e elucidativos do que vai ser apresentado), como ocorreu com O Anti-Cristo, por si só vale o preço do ingresso; é uma sequência de imagens de beleza ímpar, poucas vezes vista no cinema e, ainda por cima, levadas pelo tema Tristão e Isolda, de Wagner. Esse prólogo resume o significado da melancolia de muitos modos; há a beleza de uma natureza conformada com seu fim; há uma mãe e uma noiva tendo os passos tolhidos por uma ambiência vegetal que lhes diz que é inevitável uma fuga; fugir para onde, se até mesmo o devir não promete refrigérios? A mesma noiva agora jaz conformada num leito líquido e noturno, tal qual Ofélia outrora jazeu conformada na tela de John Everett Millais e em todas as representações de Hamlet (Ofélia também se desesperou encontrando a serenidade somente na alienação da mente e na natureza; já Justine encontra a serenidade na plenitude de sua racionalidade, libertando-se das fendas familiares que a espremiam e ficam em mistério para nós); há a poderosa imagem de personagens estáticos ao luar triste, se apresentando defronte a um castelo, para no fim da película se despedirem de maneira mais poderosa ainda.

Então começa de fato o filme. Banalidades, risos, emoções disfarçadas e uma impressão de algo estranho pairando no ar. A felicidade de Justine é aparente. Acabou-se a festa, chega de brincadeira. O acúmulo constante da melancolia transborda em depressão, e toda esperança de alguma felicidade é baldada pela certeza absoluta de algo triste, inexoravelmente triste, onde as vozes não fazem eco, não se escutam. A melancolia não é só de Justine, é também da própria natureza e de todo o planeta; e parece que só Justine entra em simbiose com os elementos, talvez por estar calejada, experimentada demais nesse sentimento. O fato de o planeta que vai destruir a Terra chamar-se Melancolia e ter um tom azul (blue, triste em inglês), ter ficado todo esse tempo em segredo “escondido atrás do Sol”, o brilhante astro que traz alegria, é uma ideia sublime, poética, rica em significados, do diretor, que também é adepto desse estado da alma. Como ele falou em entrevista: “A Depressão é o fim do mundo”. Para alguns, esse filme teria levado a Palma de Ouro em Cannes, caso o diretor não tivesse virado persona non grata por conta da frase sobre Hitler. Bem, acho que A Árvore da Vida (que de algum modo tem ligação com este filme aqui, talvez por lá vermos o começo e aqui o fim ou por outros motivos que me escapam), tem méritos suficientes para ter ganho o prêmio máximo; também não acho correto prejudicar uma obra de grande qualidade por conta do caráter de seu autor. Há casos na Arte e na Literatura de homens um tanto ignóbeis que produziram obras de grandeza e nobreza incomparáveis, como um tipo de Dorian Gray às avessas. Ao menos Kirsten Dunst ganhou a palma de melhor atriz. Essas atrizes (como aconteceu com Nicole Kidman), acostumadas somente com o posto de estrelas de Hollywood, conhecem, algumas vezes, o de atriz.

A morte/fim é anunciada, como nas tragédias. Desespero e conformismo se revezam. Personagens trocam suas atitudes, o forte de ontem agora é frágil cristal; alguns apenas disfarçam a covardia, sumindo-se na surdina inútil, enquanto outro é protegido pela pueril ingenuidade. E, como disse Augusto dos Anjos, “O fim das coisas mostra-se medonho”. Nunca um fim do mundo foi tão fim do mundo no cinema. O diretor Lars von Trier conseguiu mais impacto e comoção com o extermínio de três pessoas do que Hollywood jamais conseguiu matando milhões ao mesmo tempo em seus filmes sobre fim do mundo. Acaba-se tudo e nós, espectadores, estamos lá, implacavelmente deixados sozinhos e em grande desconforto, apenas com uma certeza, a de que o fim de tudo é surdo, inapelável e, se acontecer, tem chances de ser daquele jeito. 

Um comentário:

  1. Danilo, que texto!
    Gosto desse filme tanto quanto você. Filme perfeito, acho: aquelas imagens do prelúdio, que ainda ecoa a música de outro prelúdio maravilhoso, o do "Tristão e Isolda", são uma das coisas mais lindas feitas pelo cinema. Creio, aliás, que "Melancolia" foi o melhor do ano passado (infinitamente superior ao pretensioso "Árvore da Vida"). O estado melancólico é tão bem construído nele que o espectador acaba tornando-se parte disso. Como você tão bem diz, nunca o fim do mundo foi tão fim do mundo como aqui. Com seu concerto de imagens, Lars Von Trier dá a ver a nossa pequenez frente ao universo inexorável. Tão frágeis quanto a natureza, daí as imagens lindas da Kirsten Dunst (sensacional como nunca) entregue às águas e às flores, naquela inação oriunda do estado melancólico - que é, paradoxalmente, a inação oriunda da descoberta do verdadeiro espaço que ocupamos no Universo.

    Parabéns pelo texto, meu amigo!
    Dani

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