sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Criaturas Celestes

Almas Gêmeas (Heavenly Creatures, 1994), é o terceiro e elogiado filme de Peter Jackson, sendo considerado por muitos seu filme mais complexo, mais ainda que a trilogia O Senhor dos Anéis; não concordo com essa opinião, talvez seja o roteiro mais complexo, mas não o filme mais complexo, há uma diferença aí. O filme conta a história da uma grande e estranha amizade que terá trágicas conseqüências. A história começa em 1952, mostrando a vida pacata e banal de uma localidade da Nova Zelândia, antes de se descortinar o crime que chocou o país. Pauline é uma retraída jovem de 14 anos que vê sua vida mudar com a chegada de Juliet, uma jovem inteligente e muito vivaz. Pauline se encanta de cara com Juliet, dando início a uma profunda amizade, mostrada entre 1953 e 1954. Para Pauline, tão reclusa em si mesma, conhecer alguém com quem tenha afinidades, como o gosto por leituras sobre Biggles, é algo novo e delicioso. Ao saber que Juliet ama o tenor italiano Mario Lanza, Pauline volta pra casa em êxtase e corre para ouvir o tenor, que também ama. Esse tipo de cumplicidade na juventude é algo muito poderoso. Juliet é “desvirtuante” e tem um certo desequilíbrio que transmite a Pauline. A amizade torna-se cada vez mais forte, indo muito além da simples amizade para torna-se um amor obsessivo. Uma trilha sonora vigorosa, com muito de Mario Lanza, embala-as sempre mostradas em movimento num mundo só delas, que o chamam de quarto mundo, para onde fogem da realidade de um mundo cheio de pessoas que segundo Pauline “Notamos como é triste para os outros não poderem reconhecer nossa genialidade”. Há outros trechos tirados do diário da própria Pauline; ela ganha o diário do pai na noite de Natal e passa a relatar toda sua amizade com Juliet. Esse diário teve serventia para muita gente: para Pauline, que despejava nele todo o fogo dessa paixão; para a polícia, como prova do crime cometido pelas amigas; e por Peter Jackson, que se baseou nele para escrever, junto com a esposa, o roteiro original do filme, roteiro indicado ao Oscar. O filme é contado pela ótica de Pauline e a narração usa trechos do diário. Além do diário, outros elementos reais usados por Jackson, foram os locais em que aconteceram os fatos e que ele usou como locações. A mãe de Pauline, feita pela ótima Sarah Peirse, é a primeira que sente o mal dessa amizade. Ela será o objeto em que Pauline descarregará mais tarde todo seu ódio pelos obstáculos que impedem a plenitude de seu amor com Juliet. O pai de Juliet é outro que percebe algo não saudável com as duas amigas e decide junto com os país de Pauline pela consulta de um especialista. O diagnóstico é bombástico: homossexualidade. Tudo concorre para separá-las, a proibição da família de que se vejam, a tuberculose de Juliet (“Seria ótimo se eu tivesse com tuberculose também”), que a obriga a internação, a futura viagem forçada de Juliet para a África do Sul e até um certo pretendente ao amor de Pauline, o que enche Juliet de temor. Mas nada será mais forte que o amor das duas. Jackson, que desde cedo tem mostrado um gosto pela fantasia, mostra com muita criatividade o mundo particular para onde as personagens fogem, ou para se amar (uma ousadia de Jackson) ou para matarem seus desafetos. As duas, nesses momentos de fantasia, são mostradas sob uma luz mágica, onírica, que as torna celestes. Há uma divertida evocação a Orson Welles, que Juliet odeia por ser um homem pavoroso e que Pauline, confessa no diário, que adora, talvez por identificação. Há um cuidado com a reconstituição de época e Jackson dirige o filme salpicando aqui e ali um detalhe, como se nos indicasse que tal hora ou que tal objeto tivessem destaque no diário de Pauline. A sequência final é em tom de primoroso suspense. O crime bárbaro acontece, e somos informados que o júri recusou a alegação de insanidade das duas, apesar dos sinais de evidentes de perturbação, como, por exemplo, a grande indiferença de Pauline horas antes do crime, chagando a anotar no diário “O dia do grande acontecimento”. Não podendo ser condenadas a morte por serem muito jovens, elas cumprem suas penas e ambas são soltas em 1959, com a condição de nunca mais se encontrarem. O filme é bem conduzido, bem escrito, ganhou vários prêmios pelo mundo e foi uma ótima estréia da nossa querida Kate Winslet no cinema. A atriz Melaine Lynskey também está ótima como a reclusa Pauline. E com as palavras de Pauline termino: “Descobrimos por que temos essa telepatia e por que as pessoas nos tratam assim. É porque somos loucas! Completamente loucas!”

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