Saudosos tempos aqueles em que havia sessão de arte no cinema São Luis aqui de Recife. Sempre solitário, vi muitos filmes interessantes. Lembrança especial tenho de um filme especial: Kissed – Cerimônia de Amor (Canadá, 1997). Este filme independente e pouco conhecido, causou polêmica nos festivais que participou por tratar da necrofilia. Foi um ano de produções com temas pesados no Canadá; houve Crash – Estranhos Prazeres, do David Cronenberg, e O Doce Amanhã, do Atom Egoyan. Kissed é a história de Sandra Larson, uma jovem que desde cedo apresenta forte inclinação por cadáveres; há uma cena de impacto dela em um ritual com um esquilo esmagado. Mas tarde essa irresistível inclinação leva-a a trabalhar numa casa funerária, onde desenvolverá romanticamente seus enlaces com cadáveres de homens jovens e bonitos. Há um envolvimento com um rapaz “vivo” como uma tentativa de normalização (lembro aqui que a necrofilia está dentro de uma parafilia). Kissed é o primeiro longa dirigido Lynne Stopkewich; por tratar de tema tão incomum e nebuloso, foi feito com dinheiro do próprio bolo da diretora. Em entrevista da época do lançamento, lembro-me de ter lido a diretora afirmar que no conto original a Sandra, uma freak, era muito mais fria e a história continha muito mais sangue, e que ela, diretora, decidiu abrandar o filme até onde deu, para que não ficasse insuportável. Lynne conta, também, que não procura explicar Sandra como o conto faz através da família; no filme, Sandra é o que é e ponto final. Apesar da morbidez do tema, o filme é surpreendentemente bonito e muito poético. Há uma feérica luz no ar quando Sandra beija docemente seus silentes amantes. A história é baseada no conto de Barbara Gowdy chamado We So Seldom Look on Love “Raramente Nós Abordamos o Amor” (obs.: traduzi livremente). Também tem um pouco do “Poema à Necrofilia” de Frank O’Hara, e um pouco de um artigo de um jornal da Califórnia, que chocou, com a notícia de uma jovem que seqüestrou um carro funerário com um jovem defunto em seu caixão e o levou para um motel; lá fez sexo com o cadáver por dias até ser descoberta e presa. Gostaria de ter lido o artigo, o poema e, principalmente, o conto.
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