quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Ela não teve escolha.

A escolha de Sofia, baseado na novela de mesmo título de William Styron, foi o filme que consagrou Meryl Streep; com uma irretocável atuação, ela ganhou o Oscar e todos os outros prêmios disponíveis, como uma mãe que tem que fazer uma terrível escolha. O trabalho de Meryl Streep já se mostra genial neste filme, a grande emoção do dilema, que ela faria diferente em As Pontes de Madson; o capricho no sotaque, que ela faria em outra língua em A Casa dos Espíritos. E a vivência; quando um ator consegue nos passar a vivência do personagem (vida anterior), ele atingiu a perfeição do seu trabalho. A sua Sofia é linda, muito frágil, muito carente, sorri e dança. Mas sempre percebemos sob esse arcabouço, um grande peso. Cada olhar de Sofia denuncia sutilmente esse segredo. E ela apenas segue vivendo do momento, como que sem propósitos. Tem por companheiros seu amante Nathan e o amigo dos dois, o jovem escritor Stingo. Os três são amantes de literatura e citam autores americanos importantes, durante o filme. Há uma cena muito bem feita e interpretada pela Meryl, que me causou certo desgosto: Sofia, incipiente com a língua inglesa, se encanta pela poesia de Emily Dickinson (maior poetisa norte-americana; corram para conhecê-la). Ela vai à biblioteca e pergunta ao bibliotecário onde fica o catálogo dos grandes poetas americanos de século XIX, pois gostaria de encontrar Dickens “Emily Dickens”. O bibliotecário azedo, lhe aponta o caminho, mas lhe diz que ela não encontrará nenhum Dickens lá, pois Dickens é inglês (Charles Dickens). Ele sabe muito bem o que Sofia procura, mas em vez de lhe orientar, prefere ser ignóbil e desdenhá-la. Este fato lamentavelmente acontece de verdade nas bibliotecas e eu fico desgostoso porque sou um bibliotecário. Algo parecido acontece no filme Simplesmente Feliz, com um livreiro azedo. As cenas de Auschwitz devem ter servido de fonte, onde muitos filmes de hoje sobre o holocausto beberam. O filme tem uma ótima trilha sonora, tem um momento em que Nathan, meio ensandecido, rege o finalzinho da nona sinfonia de Beethoven. A fotografia é um primor, que favorece o clima de intimismo que ronda os três personagens. Belo filme; bela direção do Alan J. Pakula. No fim do filme, Stingo, vendo os dois amigos inanimados na cama, lê o seguinte trecho de Emily Dickinson:

Façam ampla esta cama.
Façam esta cama com temor;
Nela esperem até o dia do Juízo Final
Excelente e claro.
Seja direito o colchão,
Seja redondo o travesseiro;
Não deixem o alarido que causa o amarelado nascer do sol
Perturbar este solo. (Tradução minha)

A cena mostra a folha de rosto do livro. É uma preciosidade nos dias atuais. Uma edição dos SELECTED POEMS of EMILY DICKINSON. Com introdução de Conrad Aiken. Editado por THE MODERN LIBRARY, New York.

Eu já cataloguei uma edição igualzinha até na encadernação. Fiquei emocionado.

Um comentário:

  1. Um filme incrível e um final arrebatador 👏 O poema perfeito para o desfecho. Simplesmente lindo!

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