sábado, 27 de fevereiro de 2010

"Não há nada incomum no sofrimento"







Mesmos as platéias mais preparadas e já habituadas com o trabalho de Lars von Trier sentiram novamente a surpresa do choque. Anticristo (Antichrist, 2009) é um drama psicológico que flerta com o fantástico. Trata da dor de um casal; dor causada pelo remorso por não poder ter impedido a morte do filho pequeno. Esse sentimento de culpa, mais pungente porque provocado por uma morte, toma conta de tudo na vida deles, os absorve. Ela mostra-se completamente destruída, ele aparenta frieza e calma. Como psicoterapeuta, assume os riscos de tratar de sua própria esposa. Vão para Éden, sua cabana isolada no meio da floresta, floresta essa com quem eles parecem ter alguma integração. Nesse lugar ermo, eles seguirão uma dolorosa jornada de sofrimento, dor e desespero, até a chegada dos três mendigos (estes são os quatro capítulos do filme, que acaba com o epílogo). Há várias imagens perturbadoras que remetem à morte infantil e cenas de tortura que superam as de A Professora de Piano do Haneke. É um filme complexo que não se auto explica totalmente (a relação da natureza com o feminino, a constelação dos três mendigos, são exemplos). É uma experiência visual das mais interessantes e um exercício do Lars von Trier em mais uma tentativa de dissecar a dor. O casal é interpretado por Charlotte Gainsbourg e Willem Dafoe.
Deixo para o final o prólogo, por merecer uma atenção especial. No final do filme há uma volta ao prólogo, revelando-se algo terrível. Trata-se de uma abertura não menos que magnífica, uma verdadeira obra de arte (e olhe que em entrevista em Cannes, o diretor provocou a imprensa, por causa da polêmica em torno do filme, ao afirmar que dirigiu Anticristo com apenas metade de sua inteligência), com um profundo senso de estética, rica em detalhes calculados – há até a repetição sutil (há que ter muita atenção) das expressões do filho nos rostos dos pais –, tudo ao som da bela ária Lascia Ch'io Pianga, da ópera Rinaldo, do Handel (cantada pela mezzo soprano, Tuva Semmingsen). Um ótimo filme, forte, cru, do tipo ame ou odeie, com uma abertura extasiante.

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